Câmera na mão. Lá vem a racista!
Colunista: Juliano Pereira
A cliente chega na academia e o gerente avisa meu amigo, funcionário.
_ “Essa aí ficou um tempo proibida de treinar aqui. Destratou uma pessoa da limpeza e ofendeu uma professora. Chamou ela de macaca, inclusive. Fica esperto. Já deixa o celular no jeito. Câmera e microfone ligados. Beleza?”
Escutei e fiquei refletindo. Que situação bizarra! O gerente foi “parça” por avisar? Por que essa mulher, reincidente inclusive, não foi expulsa de vez da academia? Na real, não me surpreende que nada tenha sido feito. A impunidade é tão certa quanto o fato de que ela vai abrir a boca novamente. É só uma questão de tempo. (Ou será que chega o dia, finalmente, quando a gente aprende alguma coisa nessa vida?)
Na maioria das empresas, os líderes fingem que nada acontece. O assunto ainda está longe das salas da diretoria. Executivos, empreendedores e patrões “não querem confusão” ou não se importam. O caso fica barrado na portaria, assim como a gente quando chega em um prédio chique.
A situação se repete no comércio, lojas e restaurantes. Às vezes, ela é mais sútil. Às vezes, é a queima-roupa mesmo:
“Não quero ser atendida por aquela negra”.
“Chama o gerente que eu não quero falar com esse tipo de gente”.
E quem tem boleto para pagar, abaixa a cabeça e consente. Afinal, quem pode escolher emprego ou tem coragem para peitar um “você sabe com quem você tá falando?”. Poucos, muito poucos.
O racismo tem uma perversidade peculiar. Assim como alguns crimes, cabe à vítima levantar a mão e contar o que aconteceu. Precisa convencer os demais, juntar provas, testemunhas, contar mil vezes a história. Parece até que a culpa é da vítima. Parafraseando o antropólogo Kabengele Munanga: “no Brasil, o racismo é um crime perfeito, porque a própria vítima é que é responsável pelo seu racismo. Quem cometeu não tem nenhum problema.”
A analogia seria a mesma que: “Veja bem seu juiz, ele deixou o carro na rua. Deu mole, né. Aí a gente rouba mesmo. Se deixasse no estacionamento, não teria problema”. A diferença é que ainda há quem enxergue mais valor num carro, num rolex ou celular do que no ser humano. E juiz nenhum atribuiria a culpa de um assalto à vítima. Ou não deveria, né?!
Já para o meu amigo, personal trainer, competente, de quebrada, que sobe em cima de uma moto às 5:30 da manhã, de segunda a sábado, a situação é outra. Não basta o trânsito de cada dia, volta e meia tem blitz.
“_ Mão na cabeça e o documento. Tá indo pra onde? Faz o quê? Personal? Deixa eu ver a mochila?”
“_ Aqui o documento.”
“_ Pode ir.”
Tudo isso enquanto apontam o berro na direção dele.
Virou rotina. Você vive entre dois mundos. Invisível no trabalho, suspeito em cima da moto.
“Existe pele alva e pele alvo”, como diria o Emicida. Nos dois casos, a culpa é sua. Quem mandou ser preto? Acorda cedo pra tomar geral a caminho do trabalho e, no trabalho, fica na miúda. Mas deixa a câmera ligada, caso a aluna abra a boca.
Num país considerado racista por 8 de cada 10 pessoas mas que apenas 1 destas 10 admite ter comportamentos racistas¹, a câmera mostra o flagrante, a verdade nua e crua que a maioria desvia o olhar.
Ainda que a impunidade impere, a tecnologia nos dá a oportunidade de expor a covardia. Ela não é a solução de todos os problemas. Mas ajuda muito! E que fique registrado: não há lei que impeça alguém de ligar a câmera. Portanto, nem a polícia, nem ninguém pode proibir você de filmar uma situação assim. Ninguém!
Pelo contrário, a câmera joga na cara que racista tem nome, sobrenome, endereço e cpf. Porque o racismo, em si, não faz nada. A nossa luta não é contra a entidade “racismo”, mas contra as pessoas racistas e aquelas permissivas que, por exemplo, normalizam um cliente cometer crime contra um funcionário seu.
E na próxima vez que você presenciar uma violência dessas, ligue a câmera e mostre “pra geral” que você não passa pano pra racista!
Fontes: