Caminhada protesta contra remoção da Ocupação Lanceiros Negros, em Porto Alegre
Os manifestantes foram da Casa Mirabal até o Palácio Piratini, onde deixaram documento criticando a ação da BM e pedindo uma resposta do estado. Não houve acordo entre representantes do movimento e do governo.
Uma caminhada contra a remoção das famílias do prédio público em que estava a Ocupação Lanceiros Negros levou manifestantes às ruas de Porto Alegre na manhã desta sexta-feira (16). A ação reuniu integrantes da ocupação e de movimentos sindicais e sociais.
Os manifestantes, que protestavam contra a violência empregada pela Brigada Militar na operação de reintegração de posse do prédio, ocorrida na última quarta-feira (14), deram início à caminhada saindo da casa Mirabal, na rua Duque de Caxias, onde algumas mulheres foram abrigadas, e seguiram até o Palácio Piratini, sede do governo gaúcho.
No Piratini, o grupo entregou ao governador do estado, José Ivo Sartori, uma nota criticando a forma com que os policiais trataram os ocupantes durante a operação.
“Ocorreu de forma truculenta e covarde, retirando à força mulheres e homens, crianças, idosos e gestantes de dentro do prédio”, descreveram os manifestantes no documento destinado ao governador.
O texto também pedia a exoneração do secretário de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, Cezar Schirmer, de seu cargo.
De acordo com a Procuradoria-Geral do Estado (PGE), o prédio público desocupado, com ação da Brigada Militar, abrigava 70 famílias, que foram levadas para o Centro Vida Humanístico, na Zona Norte da capital. No entanto, desde quinta-feira (15), os desabrigados têm reclamado das condições do local e deixado o abrigo.
Porto Alegre conta com cerca de 200 espaços públicos ocupados, entre prédio e terrenos, conforme informações do Departamento Municipal de Habitação (Demhab).
“A gente tem hoje trabalhado com muita ênfase e força na questão do cooperativismo. O que a gente quer passar para as pessoas é que essa é uma solução de longo prazo”, disse o diretor-geral do Demhab, Mário Marchesan.
A prefeitura defende que as ocupações não são a melhor forma de garantir a moradia e admite que, atualmente, faltam, pelo menos, 48 mil unidades habitacionais para atender a população.
Na tarde desta sexta, representantes do governo e do movimento Lanceiros Negros se reuniram para discutir o documento recebido pelos manifestantes e a situação das famílias, mas não houve acordo entre eles.
Governo vê ‘interesse ideológico e político’
Em uma segunda nota sobre o fato, divulgada na noite desta quinta-feira (15), o governo estadual afirma que os ocupantes demonstraram “exclusivo interesse ideológico e político” ao decidirem permanecer na ocupação após recusarem alternativas de habitação. O texto assinado pelo chefe da Casa Civil, Fábio Branco, diz que durante dois anos os ocupantes do prédio não entraram em acordo apesar de “intenso esforço pelo diálogo” por parte do Piratini.
Leia a nota na íntegra:
O chefe da Casa Civil, Fábio Branco, esclarece sobre o episódio de desocupação do prédio do governo do Estado, no Centro de Porto Alegre.
1 – Foi feito intenso esforço pelo diálogo, durante dois anos, e nenhum acordo foi aceito.
2 – A pratica de ocupações e invasões ilegais e a depredação de bens públicos são inaceitáveis.
3 – O governo ofereceu alternativas de habitação que foram recusadas, revelando exclusivo interesse ideológico e político.
4 – A decisão foi judicial, cumprida com correção pela Brigada Militar e acompanhada por autoridades do Judiciário, inclusive pelo oficial de justiça Iuri da Fontoura Vieiram, que a tudo acompanhou.
6 – Não vivemos mais tempos de ditadura. Ao contrário, vivemos tempos em que a justiça precisa valer para todos, indistintamente. Não cabe mais a um deputado incitar o descumprimento da lei. Os deputados têm na Assembleia Legislativa, e nas ações que lá desenvolvem, o palco para suas defesas e manifestações. Não é papel deles incitar e reagir à ordem judicial com violência.
Ocupação e MLB rebatem posição do estado
Por meio do Movimento de Lutas nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), a Ocupação Lanceiros Negros divulgou nota, nesta sexta-feira (16), em resposta à posição do governo do Rio Grande do Sul.
Leia a nota na íntegra:
Resposta da Ocupação Lanceiros Negros à nota da Casa Civil
O Movimento de Lutas nos Bairros Vilas e Favelas – MLB, em nome das pessoas despejadas da Ocupação Lanceiros Negros, esclarece sobre a nota assinada pelo Chefe da Casa Civil, Fábio Branco, publicada no dia 15/06/2017, às 19h53.
1 – O Chefe da Casa Civil, em um ano e sete meses de Ocupação, nunca se dispôs a encontrar as famílias para entender a sua história e escutar as suas demandas;
2 – O Governo do Estado nunca apresentou alternativas de habitação para as famílias, apenas exigindo a imediata desocupação do imóvel que deixou sem uso por mais de 10 (dez) anos, sem qualquer perspectiva, tendo uma Procuradora do Estado manifestado, em audiência no CEJUSC, que a sua prioridade era levar os milhares de imóveis vazios do Estado a leilão, para a construção de presídios. A judicialização desse grave problema social foi provocada pela Procuradoria Geral do Estado, sem qualquer tentativa prévia de diálogo, dois dias após o início da Ocupação. Até a suspensão da primeira determinação de reintegração de posse, na noite fria do dia 23 de maio de 2016, nenhuma mesa de diálogo havia ocorrido e, após a instauração das tentativas de conciliação judicial, a única oferta apresentada, desde o início, foi de caminhões para a retirada dos pertences. Isso não é dialogar;
3 – Questionado pela imprensa, na tarde de 15/06/2017, sobre o episódio da desocupação e o déficit habitacional, o Secretário de Obras, Saneamento e Habitação do RS respondeu não estar “inteirado do assunto”, demonstrando um descaso inaceitável por parte do Governo diante desse grave problema; essa indiferença não é acidental, e sim política e ideológica;
4 – Política e ideológica é a escolha do Governador José Ivo Sartori de agilizar o despejo de mais de 70 (setenta) famílias, de um imóvel abandonado há mais de 10 (dez) anos, mas não providenciar a cobrança de 76 (setenta e seis) milhões de reais devidos pelo Grupo JBS, o qual, coincidentemente, doou mais de dois milhões e meio de reais à campanha do então candidato e hoje Governador. A economia que o Governo alega que fará será de R$ 60.000,00 mensais. Com a cobrança dessa única dívida desse doador de campanha, poderia o Governo Sartori permitir que as famílias permanecessem por mais 1.266 meses ali, enquanto encaminhasse uma política efetiva de realocação dessas pessoas em um imóvel digno, e uma solução para todas as pessoas afetadas pelo déficit habitacional no estado do RS. A opção do Governador, é claro, foi outra;
5 – Política e ideológica é a decisão do Governador Sartori de orientar a atuação da Brigada Militar à repressão de famílias que buscam, simplesmente, uma moradia digna, enquanto o Estado do RS é assolado por uma crise sem precedentes na Segurança Pública. Não à toa, enquanto as famílias ainda buscam um local para residir, na madrugada dessa sexta-feira, moradores do Vale do Rio Pardo viveram momentos de terror enquanto um grupo de cerca de 15 (quinze) pessoas explodia três agências bancárias. Não se pode dissociar isso da opção do Governo Sartori em direcionar a atuação da Brigada para outros fins que não a segurança pública, seu dever constitucional;
7 – Também foi uma escolha deliberada, de caráter político e ideológico, usar gás lacrimogêneo, bombas de efeito moral, balas de borracha e prisões para desarticular o apoio democrático que as famílias recebiam na iminência da desocupação;
8 – É lamentável o Governo falar que vivemos em tempos de justiça, válida para todos, quando deixou famílias, com mulheres e crianças, em situação de vulnerabilidade, sem moradia e, consequentemente, sem garantia de acesso à educação, saúde, entre outros direitos fundamentais. O Movimento convoca, portanto, o Poder Público Estadual a assumir a sua responsabilidade e a adotar medidas concretas para resolver o déficit habitacional, garantindo, de imediato, assentamento digno para as famílias da Ocupação Lanceiros Negros.