Cerimônia marcada por espiritualidade e pluralidade religiosa celebrou a união de Yamim Lobo e Roberto Jr. com forte simbolismo afro-brasileiro
O Quilombo do Grotão, em Niterói, na Região Oceânica do Rio de Janeiro, foi palco de um casamento que rompeu tradições, exalou ancestralidade, reafirmando a potência do amor negro.
A união de Yamim Lobo e Roberto Jr. reuniu cerca de 200 convidados em um espaço sagrado de memória e luta, transformando a cerimônia em um verdadeiro manifesto de identidade, espiritualidade e resistência cultural.
A celebração foi conduzida pelo Babalawô Ivanir dos Santos, pai da noiva, que explicou os ritos do Ifá e conectou os presentes à sabedoria de Orunmilá, o orixá do destino.
“Celebrei o casamento da minha filha em solo de quilombo, com toda a força ancestral. A fé se mostrou plural e o respeito, universal”, destacou Ivanir, que também é professor da UFRJ.
O Babalawô Marcelo Monteiro Ifamakanjuọla Alabi Adedosu reforçou a profundidade do Ìgbéyàwó, tradicional rito de casamento yorùbá, repleto de símbolos, reverência aos ancestrais e bênçãos às famílias.
Fé em diálogo: um encontro entre religiões
Após os rituais afro-religiosos, a cerimônia ganhou ainda mais força com uma bênção inter-religiosa. Diversas expressões de fé se uniram para celebrar o casal em um gesto simbólico de harmonia. O Arcebispo Kyohaku Correia (Budismo Primordial) destacou que “o elo da primavera, divino, é quem abençoa o matrimônio” e encerrou com o mantra Namumyouhourenguekyou.
Lusmarina Garcia, pastora luterana, pediu a renovação diária do amor por meio da paciência e do diálogo. Mãe Mirian de Oyá, da Umbanda, invocou as bênçãos dos Orixás e dos pretos-velhos. O pastor e cantor Kleber Lucas emocionou os presentes ao cantar “Deus Cuida de Mim”. Já o Padre Gegê ressaltou que “as crenças se completam quando há amor” e que a fé, mesmo plural, se une no gesto de amar.
Estética, memória e ancestralidade em cada detalhe
Sob a curadoria do cerimonialista Leco Biagioni, a festa foi uma experiência estética e simbólica, fiel às raízes afro-brasileiras. A noiva usou um vestido assinado por Bia Vaz, inspirado em Oxum, com renda dourada, búzios e bordados orgânicos. O noivo, os padrinhos e o Babalawô Ivanir vestiram trajes de Thiago Soares de Assis, com joias da Orian, feitas em prata banhada a ouro.
A decoração explorou tecidos africanos, vasos de barro e folhagens. O bolo, criado pelo Ateliê Carol Guimarães, levou búzios e simbolizou a união entre tradição e modernidade. Os convidados saborearam iguarias como mini moqueca de banana-da-terra, baião de dois com queijo coalho, salgadinhos variados, doces artesanais e a tradicional feijoada do chef Renatão, do próprio quilombo.
Entre os presentes, estiveram artistas, líderes religiosos e intelectuais negros, como a atriz Maria Gal e o escritor Jacques d’Adesky. No momento mais simbólico, ao som de atabaques e cânticos em iorubá, duas pombas brancas foram soltas, selando a união com um gesto de paz. Ao final, o grupo Awurê transformou a festa em uma celebração vibrante da ancestralidade.
Mais do que um casamento, um gesto de afirmação
A cerimônia foi, acima de tudo, um ato político, espiritual e afetivo. Para Ivanir dos Santos, “foi mais que a felicidade de um pai; foi uma reafirmação das nossas raízes, da liberdade religiosa e da resistência dos quilombos”. Leco Biagioni completou: “Organizar esse casamento foi uma honra. Cada detalhe foi pensado para valorizar a história que esse território carrega”.
Um dos convidados resumiu o sentimento coletivo: “foi uma das cerimônias mais pretas e mais lindas que já participei”. Emoção, beleza e ancestralidade marcaram cada segundo. No Grotão, o amor se fez território, memória e futuro.