Cavalo de Santo – religiosidade e dignidade Afro-Brasileira

Zulu Araújo

O belíssimo documentário Cavalo de Santo, com direção, roteiro e produção compartilhado pelo casal gaúcho Mirian Fichtner (fotografa) e Carlos Caramez (jornalista) é um verdadeiro sopro de esperança para todos aqueles que acreditam que a liberdade religiosa é um bem indispensável para o exercício da democracia. Ainda mais num momento onde o obscurantismo e a intolerância tem estado presente até mesmo nas instituições que tem por missão a preservação, valorização e difusão da cultura negra em nosso país, como é o caso da Secretaria Especial de Cultura e da Fundação Cultural Palmares.

São mais de 400 mil visualizações, nas redes sociais, desde o seu lançamento em 1° de maio de 2021. Um recorde a ser comemorado para um filme que trata de temática tão delicada como a intolerância religiosa e o preconceito contra as religiões de matriz Africana no Brasil. Mais significativo ainda por abordar a presença dessas religiões num estado como o Rio Grande do Sul, majoritariamente branco e com fortes traços racistas.

Para quem não sabe, o Rio Grande do Sul é o segundo estado com maior número de habitantes brancos no país e curiosamente é também o Estado com o maior número de templos religiosos de matriz africana, superando estados com maioria negra como a Bahia e o Rio de Janeiro. Além disso, a escravidão nas terras gaúcha é tida como uma das mais duras e violentas. A invisibilidade negra lá é tão forte e o racismo tão arraigado que se manifesta explicitamente até os dias atuais, vide o assassinato brutal do negro João Alberto num supermercado gaúcho aos olhos de todos e todas. Para os autores, “a intolerância religiosa é total, mas encontra uma forte resistência dos batuqueiros que organizados aprenderam a se defender, lutar pelos seus direitos e ocupar o espaço público que lhes pertence”.

Mas, as singularidades do Cavalo de Santo são muito maiores do que possamos imaginar. O filme, que tem origem no livro homônimo, lançado pela Fundação Palmares, em 2010, levou dez anos sendo produzido. Respeitou meticulosamente o calendário litúrgico das instituições religiosas afro-brasileiras gaúchas  e por conta disso estabeleceu uma relação de respeito e confiança com as autoridades religiosas dos templos e terreiros de Candomblé e Umbanda de tal ordem que fica visível a cumplicidade e parceria no desenvolvimento do documentário.

Cavalo de Santo, cumpre em grande medida um papel educativo, ao dar vez e voz aos discriminados e excluídos, rompendo com esta relação cruel entre a invisibilidade e intolerância tão em moda no Brasil. Ao mesmo tempo, o documentário possibilita aos gaúchos e brasileiros o conhecimento da religiosidade afro gaúcha com toda sua força, inteireza, beleza e dignidade que as mesmas possuem. É o Brasil que não conhece o Brasil.

Portanto, merece os nossos aplausos o trabalho realizado pela dupla gaúcha, além de merecer ser visto, por todos aqueles que defendem a liberdade de culto em nosso país. Tenho certeza de que este filme terá um longo e vitorioso caminho a percorrer pelos festivais e espaços culturais do Brasil e Exterior, além de poder ser um grande instrumento de combate ao racismo e a intolerância religiosa em nosso país. Toca a zabumba que a terra é nossa!

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