Celebrai e vigiai seria um belo axioma para a paz social  

*Fábio Pereira 

O psicólogo Marshall Rosenberg relata que aprendeu muito sobre gratidão e celebração depois que participou durante quatro dias de um seminário com feministas no Estado de Iowa, centro-oeste dos EUA. Ao final do evento, perguntado o que achara do convívio, manifestou suas alegrias e também “uma coisa um pouco difícil para mim”. Mal sabia ela que estava diante de um aprendizado que mudaria sua vida. 

A tal coisa difícil para ele foi lidar com a quantidade de vezes que o grupo interrompeu o fluxo das discussões do encontro para agradecer. Isto mesmo: agradecer em público por fatos ocorridos durante aqueles dias, desde os mais banais acontecimentos até os mais extraordinários e, portanto, tradicionalmente dignos de uma celebração como a nossa cultura entende. 

A resposta da líder do grupo surpreendeu o propositor da Comunicação Não-Violenta (CNV): “Fico feliz de você ter mencionado isso, Marshall. Não é inquietante quando um movimento de mudança social se preocupa tanto com as coisas horríveis do mundo, que acaba agindo a partir dessa energia, ao invés de lembrar-se constantemente do lado belo da vida? Essa é a razão pela qual celebramos a gratidão no nosso movimento. Mesmo sabendo que há muito a fazer, paramos e agradecemos por qualquer coisa que esteja ajudando a nossa causa”. O livro A linguagem da paz em um mundo de conflitos registra que, daquele dia em diante, pelas próximas três décadas, Rosenberg trabalhou bastante para desenvolver a expressão de gratidão em seus treinamentos de CNV. 

Encontrando sentido nisso, expresso minha gratidão por dois acontecimentos que contribuem para as minhas necessidades de justiça e segurança. Por isso, estou animado e esperançoso. Refiro-me primeiramente à entrada em vigor da Lei 14.457/22 que alterou o nome da CIPA para Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e Assédio. Com isso, a normativa estimula que as instituições com cipeiros “realizem, no mínimo a cada 12 meses, ações de capacitação, orientação e sensibilização dos empregados de todos os níveis hierárquicos da empresa sobre temas relacionados a violência, assédio, igualdade e diversidade no âmbito do trabalho”. 

Além disso, celebro uma notícia do jornal O Povo, o mais antigo em circulação no Ceará, que anuncia uma reunião ocorrida na OAB daquele Estado cuja pauta tratou de se criar um comitê interinstitucional para discutir segurança nas escolas. “O trabalho de inteligência e investigação é muito importante, mas precisamos mesmo é de uma rearquitetura das políticas públicas na Educação e Saúde, criando ações que efetivamente estimulem a cultura de paz nas escolas”, pontuou um membro do Ministério Público presente ao encontro. 

Efeitos colaterais

Ambos acontecimentos renovam a minha esperança de que a cultura de paz poderá ser fortalecida notadamente nas empresas e nas escolas, dois ambientes que influenciam nos rumos da nossa sociedade e nas tomadas de decisões dos indivíduos, tanto quanto nos influenciam os núcleos familiares e religiosos. 

Na prática, se essas instituições abrissem espaço para conhecer mais a CNV e as diversas ferramentas de mediação de conflitos, creio que teríamos vínculos mais fortes e menos relações violentas. Não quero com isso rotular tais ambientes como violentos originariamente ou generalizar. Prefiro considerar que violenta é a nossa cultura, nossa forma predominante de pensar, pois aprendemos desde cedo a recompensar e a punir mediante obediência ou falta dela (e isso, como se sabe, não tem funcionado). Com isso, nenhum lugar está a salvo da violência a menos que tome medidas alternativas à lógica vigente, tal como a nova lei da CIPA e a intenção da OAB-CE e outras instituições que participaram da referida reunião. 

Celebrar, em suma, é reconhecer, desfrutar, valorizar a si, os outros e as circunstâncias que contribuíram para um feito que torna a nossa vida mais maravilhosa. E fazer isso não necessariamente implica em contrair uma dívida pelo apoio que recebeu. A CNV nos fala sobre escolher contribuir com a vida do outro e agradecer pelas contribuições recebidas sem “ter que” receber ou dar nada em troca, mas agir apenas pela alegria de ofertar de livre e espontânea vontade, honrando nossa necessidade de autonomia. 

A CNV também nos propõe celebrar podendo escolher estar atento a eventuais efeitos colaterais que tais acontecimentos maravilhosos possam trazer. Daí o vigiai que mencionei no título do artigo. Podemos perguntar: será que outras pessoas estão se machucando, seja física ou emocionalmente, com aquilo que alimentou minha alegria? Como faço para garantir que as necessidades de todos sejam atendidas? Quais estratégias possibilitam o máximo de contentamento com o mínimo de frustração para todos? Como conquisto a justiça social sem soltar a mão de ninguém? Em busca dessas respostas e tantas outras é que indico a CNV como um caminho para celebrarmos e vigiarmos como nunca em prol da pacificação social com a qual sonhamos. 

*Fábio Pereira é jornalista, mediador de conflitos e facilitador de Comunicação Não-Violenta (CNV). Integra a ONG CNV em Rede e coordena a Câmara de Mediação Pacific. Instagram: @fabio.dialogos

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