Censo 2022 – Os pardos serão os protagonistas?

Num evento histórico, realizado na sede do Olodum na Bahia, o IBGE – (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) apresentou, no último dia 22 de dezembro, os dados referentes aos itens Cor e Raça, do Censo demográfico de 2022. E os números surpreenderam a todos/as. Seja pela excelente qualidade da pesquisa, fruto do empenho dos seus técnicos e pesquisadores (apesar de todos os boicotes e sabotagens promovidas pelo governo anterior), seja pelos indicativos de possíveis mudanças nos rumos das políticas públicas de combate ao racismo e promoção da igualdade no país. 

Conforme o próprio Presidente do IBGE – Márcio Pochmann, afirmou na solenidade, o IBGE não analisa, nem faz reflexões sobre os dados, ele apenas coleta, sistematiza e disponibiliza para que a sociedade e os órgãos responsáveis pela elaboração de políticas públicas no país, assim o façam. Por isso mesmo, vou me aventurar em algumas reflexões: a primeira delas é de que não há como ignorar o que os números estão afirmando e isso exigirá das lideranças do movimento negro brasileiro, novas posturas, pois “A questão do pardo exigirá reflexão e novos consensos no campo dos movimentos e comunidades negras”, conforme afirma o Professor Doutor Samuel Vida em seu artigo na Folha. 

Aliás, a ênfase dada por todos os órgãos de imprensa do país, inclusive o próprio instituto, foi de que, pela primeira vez o percentual da população que se assume como parda, superou aquele que se assume enquanto branca. Os pardos representam hoje 45, % (92,1 milhões de pessoas) e os brancos 43,5% (88,2 milhões de pessoas). Outro dado importante é que a ênfase dada, em todos os espaços, não é mais, no percentual da junção de pretos e pardos, que é igual a negros, conforme metodologia do IBGE, mas sim na polarização entre pardos e brancos. 

A segunda reflexão, é que o protagonismo assumido pelos pardos, redesenha o alcance e o foco das políticas de ações afirmativas no Brasil, tanto pelo olhar da esquerda quanto da direita. E isso, queiramos ou não, indica que as placas tectônicas das políticas de combate ao racismo, para o bem ou para o mal, irão se mover. Mas, não só isso, o IBGE, informou também que o percentual da população que se assume enquanto negra, chegou a 10,2%, com um aumento expressivo de 42,3% em relação ao último censo, mas alcançando apenas o número de 20,6 milhões de pessoas. 

Se esses dados forem utilizados para nortear as políticas públicas dos governos na questão racial, como ficarão as teses vinculadas ao colorismo/racialismo, tão apreciada pelos grupos acadêmicos e pelo pequeno grupo que está nas franjas dos governos estaduais e federal? Como ficará o diálogo cada vez mais difícil com setores da centro-esquerda que tem se assumido enquanto pardo, para usufruir dos benefícios das políticas de ações afirmativas? São desafios que não poderão ser tangenciados. Para mim, a indicação é clara. Muito em breve, as várias vertentes do movimento negro brasileiro terão que encontrar um caminho de unidade para repactuar e garantir as conquistas alcançadas até o momento. 

Há riscos de retrocesso? Creio que sim. Principalmente se continuarmos insistindo no isolamento enquanto forma de fazer política. Um “aggiornamento” pela via da esquerda da antiga e desgastada tese da “democracia racial”, pode estar no horizonte, para assim acomodar as pressões dos setores conservadores, em particular os evangélicos, nesse campo de disputas e isso trará consequências graves as conquistas já alcançadas. 

Mas, também, podemos buscar o caminho de nos reaproximarmos da sociedade brasileira, no sentido de que toda e qualquer política pública de ações afirmativas no Brasil, precisará contar, não só com a presença, mas a participação dos não negros antirracistas. Com isso não estou dizendo, que deve ser negada ou abandonada, a luta do movimento negro, pelo contrário, estou dizendo que os 10,2 da população, que são as maiores vítimas do racismo fenotípico brasileiro, precisarão promover o acolhimento e incorporação dos 48% dos pardos, para que essa força conjunta que representa a maioria da nossa população, supere de uma vez por todas esse crime de lesa humanidade que é o racismo. 

Toca a zabumba que a terra é nossa!

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Mestre em Cultura e Sociedade pela Ufba. Ex-presidente da Fundação Palmares, atualmente é presidente da Fundação Pedro Calmon - Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.

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