Ciência negra e o pensamento social brasileiro

Por: Tadeu Kaçula

[Edição 219]

É interessante quando paramos para refletir sobre a representatividade de intelectuais pretas e pretos nos espaços de formulação de pensamentos críticos como as universidades brasileiras.

A robustez significativa de produção científica elaborada por pesquisadoras e pesquisadores pretos é, sugiro, uma das maiores da América Latina. Todo esse construto científico, ou grande parte dele, não é considerado como parte integrante na elaboração dos programas curriculares das principais universidades do Brasil. Isso também ocorre quando buscamos referências bibliográficas produzidas por intelectuais oriundos dos povos originários. A ciência não está imune às desigualdades étnico-sociais e ao preconceito, mesmo com importantes nomes de pesquisadoras e pesquisadores negros que desenvolveram importantes trabalhos nos últimos séculos. Essa parcela da população ainda se vê sub-representada nos espaços acadêmicos.

Segundo o site Galileu, uma das principais instituições de ensino superior do país, a Universidade de São Paulo (USP) tem apenas 129 professores que se declaram negros — cerca de 2,2% do total de docentes. Entre os estudantes, a porcentagem também é baixa: em 2017, apenas 4% dos calouros eram pretos.

A sub-representatividade de pretas e pretos nos setores acadêmicos que decidem as estratégias metodológicas das universidades é um dos principais fatores que geram barreiras para a inclusão de importantes estudos desenvolvidos por intelectuais pretos e pretos ao longo dos séculos. Uma política afirmativa que inclua a ciência negra nesses espaços de poder certamente contribuirá estruturalmente no contexto de como observamos o mundo e suas relações sociais, seja no campo da cultura, da política, da economia e nas relações raciais. 

Além das ações afirmativas, para reverter esse quadro também é necessário valorizar a cultura – na perspectiva da contracultura hegemônica – e o papel dos negros na produção de conhecimento, pois esse conhecimento produzido através da cosmologia diaspórica forma uma consciência emancipadora e capaz de nos preparar para disputar as narrativas que nos aprisionaram durante séculos.

Como desconsiderar um legado estruturado na força, lutas e capacidade intelectual de mestres e mestras, griôs, makotas e malungos como Maria Firmina, José do Patrocínio, Luiza Mahin, Tereza de Benguela, Luiz Gama e o imortal Zumbi dos Palmares? Intelectuais como Lélia Gonzales, Clóvis Moura, Lima Barreto, Beatriz Nascimento, Maria Carolina de Jesus, Abdias do Nascimento, entre tantas referências que jamais poderemos deixar de redescobrir para que continuemos reescrevendo a história social do Brasil.

E é sempre fundamental que nos debrucemos sobre o importante legado que a nossa ancestralidade produziu e nos deixou como exemplo de resiliência, seja na tomada de uma consciência emancipadora que se transformou nas revoltas, insurgências, rebeliões e quilombagens, ou mesmo na redescoberta dos estudos produzidos por pesquisadoras e pesquisadores pretos que a universidade brasileira insiste em manter no anonimato, mas, mesmo sendo sistemicamente engavetados, cumprem um papel vital para pensarmos o Brasil com ciência negra.

Tadeu Augusto Matheus (Tadeu Kaçula). Sociólogo; Mestrando em Mudança Social e Participação Política pela USP; membro do grupo de estudos sobre América Latina (CELACC-US P), coordenador nacional da Nova Frente Negra Brasileira; fundador do Instituto Cultural Samba Autêntico e autor do livro Casa Verde, uma pequena África paulistana.

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