O coração dos blocos tradicionais do Rio de Janeiro agora bate com um nome próprio: Circuito Bira Presidente. A homenagem, anunciada pelo prefeito Eduardo Paes, muito mais do que batizar um roteiro de festa, é um ato de reconhecimento de que o carnaval de rua é construído por personagens que transcendem sua função.
Ubirajara Araújo dos Santos, o Bira, falecido em janeiro deste ano, era a encarnação desse espírito. Como fundador e presidente por décadas do Cordão do Bola Preta, ele não era um simples organizador; era o anfitrião de milhões, o mestre de cerimônias de uma alegoria coletiva que, sob sua liderança, manteve-se fiel à essência de alegria despretensiosa e popular.
O legado de Bira Presidente é um monumento à resistência cultural. Em um momento em que o carnaval de rua se massificou, por vezes se distanciando de suas raízes comunitárias, o Bola Preta, sob sua batuta, nunca abriu mão de ser o “bloco do povão”. Bira personificava a figura arquetípica do presidente de bloco: um líder comunitário cuja autoridade não vinha de um cargo, mas de um amor incontestável pela festa e por sua gente. Ele era o elo vivo com uma tradição que remonta ao início do século XX, garantindo que a memória e o respeito à história não se perdessem no turbilhão de confetes e milhões de foliões.
Sua importância vai além do Bola Preta. Bira era um pilar de uma rede informal de fundadores e líderes de blocos que mantêm viva a chama dos cortes tradicionais. Homenageá-lo é, portanto, celebrar todos esses mestres anônimos do carnaval que, com suor e dedicação, preservam saberes que não estão em manuais, mas na transmissão oral e na prática anual. O circuito que agora leva seu nome abriga justamente essas agremiações que carregam o DNA autêntico da folia de rua carioca, tornando a medida uma forma de proteger e valorizar esse patrimônio imaterial.
Ao permitir que o nome “Bira Presidente” guie os passos dos foliões, a prefeitura faz mais que uma justa memória. Ela estabelece um parâmetro simbólico de qualidade e autenticidade para o carnaval. O gesto sinaliza que a verdadeira grandeza da festa não está apenas em seu tamanho ou impacto económico, mas na sua capacidade de gerar pertencimento e continuidade, valores que Bira encarnou até o último tamborim.
Seu legado, agora eternizado no asfalto do centro da cidade, é um lembrete permanente de que o carnaval pertence, antes de tudo, ao povo.