Colégio no Rio de Janeiro insere na grade curricular aulas de cultura africana

Com o objetivo de combater o preconceito racial e religioso, os alunos do Ciep Ministro Marcos Freire, em Sepetiba, na Zona Oeste, terão em suas grades curriculares, a partir do ano que vem, uma série de vivências da cultura africana. A parceria, firmada entre o colégio e o Instituto Onikoja, obedece às leis 10.639 e 11.645, que instituem a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura afro-indígena nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio no Estado do Rio. O acordo alcança também os professores, que poderão aprender sobre a cultura afro-brasileira e replicá-la nas escolas.

Segundo o sacerdote de matriz africana, fundador e presidente do Instituto Onikoja, Humbono Rogério, o mesmo colégio firmara uma parceria semelhante com a instituição em 2017. Nesta última semana, para homenagear o Dia da Consciência Negra, cerca de mil alunos do Ciep, do sexto ao nono ano, participaram de atividades e vivências africanas. Foram três dias de programação rica em informação e cultura, com aulas de capoeira, culinária típica e rodas de conversa. “Fizemos esse trabalho durante a Semana da Consciência Negra para falar da importância da cultura africana, corroborando com o discurso do combate ao racismo”, disse.]

Em 2023, a ideia é levar os estudantes para uma vivência dentro do terreiro do instituto. “Ano que vem, boa parte dos alunos desse colégio farão atividades dentro do terreiro. As crianças e os adolescentes vão participar de oficinas de capoeira, dança, música, culinária, roda de conversa, entre muitas outras coisas. Elas vão comer comida da África, como acarajé, canjica, feijoada. Vamos vencer esse preconceito”, acrescentou.
Segundo Rogério, o projeto ainda não tem dias certos para acontecer, mas funcionará em determinados dias da semana, podendo ser até mesmo de forma quinzenal, sendo uma vez com professores e funcionários e nas outras com os alunos. “As leis 10.639/03 e 11.645/08 preveem que todos possam tratar da cultura afro-indígena nas salas de aula, a falha é que elas não especificam que o professor precisa ser capacitado nas universidades. Essas leis não são aplicadas porque ninguém sabe falar sobre o assunto”, completou.

A lei 10.639/03 alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que inclui no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da presença da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Africana”. O aprofundamento do conteúdo estabelecido na lei é encontrado no texto das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, de outubro de 2004. Por meio dele as instituições de ensino, gestores e professores podem se munir de orientações, princípios e fundamentos para o planejamento e execução do conteúdo afro-brasileiro e africano dentro de sala de aula.
Já a lei nº 11.645/08 torna obrigatório o estudo da história e cultura indígena e afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, no entanto, não prevê a sua obrigatoriedade nos estabelecimentos de ensino superior para os cursos de formação de professores.

“O Ciep Marcos Freire vai ser um piloto para capacitarmos os professores e fazermos oficinas com os alunos. O tema racismo precisa ser abordado frequentemente. Por exemplo, tínhamos um projeto musical lindo há muitos anos, com atabaques e violinos. Ficou faltando um violinista e precisávamos de alguém para substituir o que faltou, íamos tocar Chiquinha Gonzaga. Mas, muitos achavam que ela era do demônio, então não conseguimos ninguém. Está acontecendo um apagamento da cultura africana com essa mistura de religiosidade”, ressalou.

O sacerdote afirmou que os gestores do colégio nunca foram resistentes aos temas lecionados. “Especificamente, com essa escola nunca tivemos problemas. O nosso trânsito com eles sempre foi maravilhoso desde 2017. O pessoal lá tem um olhar mais avançado para questões super importantes de direitos humanos e de cultura”.
Em relação aos pais, também há uma boa sintonia. “Eles não reclamam, às vezes ficam mais resistentes apenas. Quando veem que não falamos de religiosidade e que temos uma relação muito boa com as outras religiões, que as respeitamos, eles permitem a participação dos filhos”, afirmou.

“Muitas crianças já falaram que tinham medo de pisar no terreiro, mas quando eu pergunto o porquê elas não sabem explicar. A criança não nasce com preconceito, até porque quem prega o preconceito não dá justificativa né? Geralmente só falam que é coisa do demônio. A gente veio para construir ponte, queremos falar de amor, porque de ódio já tem muita gente falando”, finalizou Rogério.

Para o gerente da Gerência de Relações Étnico-Raciais da Secretaria Municipal de Educação do Rio, Ricardo Jaheem, é necessário que as escolas desenvolvam atividades para as crianças e proporcionem mais contato delas com a cultura africana. “Essa cultura de construir uma educação antirracista está muito voltada para a nossa proposta de criar um Rio antirracista. Temos que pensar nossas escolas como polo de irradiação dessas leis através da gerência étnico-raciais”, disse.
“Nós produzimos materiais pedagógicos para orientar professores a fazerem suas ações, por exemplo. Em novembro lançamos a agenda modernismo negro, falando sobre artistas negros que foram deixados para trás no movimento de arte em São Paulo”, acrescentou.
Ricardo destacou ainda que é importante o entendimento da cultura afrobrasileira para além de ações como rodas de capoeira ou turbantes, e defendeu o aprendizado nas escolas. “Precisamos entender a construção de uma identidade positiva através da literatura, de práticas antirracistas consolidadas. Claro que as ações têm suas vantagens, mas elas precisam fazer parte de uma narrativa pedagógica anual da escola”, declarou.
História do Instituto Onikoja
A Instituição Onikoja nasceu dentro do terreiro Humpame Kuban Bewa Lemin, em Sepetiba, há 22 anos. Junto com ele, foi criado o projeto Onikojá, que em 2017 virou um instituto.

As ações que o projeto desenvolve dentro dos terreiros visa homenagear a herança cultural africana, ajudando pessoas que estão em situação de vulnerabilidade social e promovendo o diálogo intercultural e inter-religioso. “Nós fazemos um trabalho de formiga. Toda semana a gente faz roda de cidadania aqui no instituto, tanto para crianças quanto para adultos. Nesse momento, trabalhamos esses conceitos que retornaram agora, como por exemplo, que bandido bom não é bandido morto, mas ressocializado”, pontuou Rogério.

Segundo o religioso, que cresceu em um lar católico, seu olhar sempre foi diferente para a prática. “Eu trouxe para o candomblé, para esse terreiro que abri há tantos anos, o conceito que minha família me ensinou: o verdadeiro significado da palavra oração, que é olhar para o lado. Não dá para seguir em frente deixando alguém para trás”, finalizou.

FONTE: O DIA

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