Já se passaram dias desde que o apresentador Marcelo de Carvalho — um dos donos da RedeTV! — publicou em sua conta no X (antigo Twitter) um comentário abertamente racista ao compartilhar um vídeo de um homem negro cometendo furto na Europa. Mesmo após a repercussão negativa e o apagamento da postagem, o silêncio permaneceu. E com ele, a sensação de que, mais uma vez, a violência contra pessoas negras é ignorada, banalizada, esquecida.
Na legenda do vídeo, Marcelo associava a cor da pele do homem ao crime, dizendo: “Dos milhões que a Europa deixou entrar, deu uma trombada nele, arrancou o celular e saiu correndo. Ao invés de salvar os muçulmanos africanos, vão acabar com a Europa”. A generalização racista, marcada por termos como “aparência africana”, escancarou a ideia perigosa de que pessoas negras, especialmente imigrantes, são ameaça — como se sua origem definisse seu caráter.
A Educafro, organização de luta por justiça racial e igualdade de oportunidades, entrou com um processo contra o apresentador no dia 17 de julho, exigindo R$ 6 milhões por danos morais coletivos. O valor, caso conquistado, será revertido para iniciativas de educação e inclusão da juventude negra. A ação é mais do que uma resposta jurídica: é uma tentativa de reparação simbólica e social.
Mas o que mais assusta não é só o comentário em si. É o que vem (ou deixa de vir) depois. Não houve retratação. Nenhuma nota da emissora. Nenhuma responsabilização pública. E o tempo foi passando, como se esse tipo de discurso pudesse simplesmente desaparecer do feed, sem deixar marcas. Só que ele deixa. Nas nossas memórias, nos nossos corpos, nos nossos medos.
A cada caso como esse, fica mais evidente o quanto o Brasil ainda precisa amadurecer sua compreensão sobre racismo estrutural. A liberdade de expressão não pode ser usada como escudo para perpetuar preconceitos. Não é liberdade quando o que se diz fere a dignidade de milhões.
Quantos mais precisarão ser desumanizados para que algo mude de fato?
Quantas vezes vamos assistir à violência simbólica sendo tratada como “opinião pessoal”?
O caso de Marcelo de Carvalho não é isolado. É parte de um sistema que normaliza a criminalização da negritude, especialmente quando essa negritude está distante dos padrões embranquecidos que o poder costuma proteger. É por isso que, mesmo semanas depois, a denúncia segue sendo necessária. Porque o silêncio não pode ser a resposta.
Ainda dói, ainda fere. E enquanto houver impunidade, a ferida continua aberta.