Corte de Direitos Humanos condena Brasil por discriminação racial
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) condenou o Brasil por falhas graves na investigação de um caso de discriminação racial ocorrido em 1998. O julgamento não se trata apenas de um episódio do passado, mas de um reflexo da realidade de muitas pessoas negras no país. A decisão da Corte reconhece que o racismo estrutural não só impede oportunidades, mas também silencia e revitimiza aqueles que ousam denunciar a discriminação.
Neusa dos Santos Nascimento e Gisele Ana Ferreira Gomes, duas mulheres negras, buscaram uma oportunidade de trabalho em São Paulo. Disseram a elas que as vagas haviam sido preenchidas. No entanto, no mesmo dia, uma mulher branca foi contratada sem dificuldades. Quando uma das vítimas tentou se candidatar no dia seguinte, conseguiu preencher o formulário, mas nunca foi contatada.
Elas decidiram denunciar. Lutaram por justiça. Mas o que enfrentaram depois foi ainda mais cruel: um processo que se arrastou por mais de uma década, até que, em 2009, veio a decisão de absolvição por “falta de provas”. A Justiça ignorou o que estava escancarado: a cor da pele foi o critério que decidiu quem teria acesso ao emprego e quem não teria.
A Corte Interamericana concluiu que o Estado brasileiro falhou ao não garantir uma investigação séria e comprometida com a verdade. O sistema judicial não apenas não protegeu as vítimas, como reforçou a impunidade da discriminação racial. Além disso, ao longo do processo, as autoridades transferiram para Neusa e Gisele a responsabilidade de provar que sofreram racismo, ignorando o contexto social e estrutural do caso.
A decisão também destacou um problema ainda maior: o racismo institucional dentro da própria Justiça. O Brasil, que por tanto tempo se recusou a enxergar o racismo como uma questão sistêmica, agora é obrigado a reconhecer que falhou – e continua falhando – em proteger a população negra.
Para tentar reparar esse erro histórico, a Corte IDH determinou que o Brasil tome uma série de medidas, incluindo:
• Reconhecer publicamente sua responsabilidade e pedir desculpas às vítimas.
• Pagar indenizações a Neusa e Gisele.
• Criar protocolos mais rigorosos para investigação e julgamento de crimes de racismo, garantindo que casos como esse não sejam tratados com negligência.
• Incluir conteúdos sobre discriminação racial na formação do Judiciário e do Ministério Público, para que juízes e promotores tenham uma visão mais crítica sobre as desigualdades raciais no Brasil.
• Coletar dados sobre acesso à justiça, para entender como a cor da pele influencia nas decisões judiciais.
• Criar medidas que previnam a discriminação em processos seletivos, garantindo que ninguém mais perca uma oportunidade de emprego simplesmente por ser negro.
A condenação do Brasil é um marco, mas não é suficiente. O racismo não começa e nem termina com um julgamento. Ele está nas portas que se fecham sem explicação, nos olhares desconfiados dentro de lojas, nos salários mais baixos para pessoas negras, na ausência de corpos negros em espaços de poder. Está na Justiça que demora demais, que desacredita as vítimas, que não vê o óbvio.
Neusa e Gisele tiveram coragem de denunciar, de enfrentar o peso de um sistema que insiste em negar o racismo. Hoje, essa decisão é um reconhecimento tardio de que elas estavam certas o tempo todo. Mas a pergunta que fica é: quantas Neusas e Giseles ainda serão silenciadas antes que o Brasil realmente mude?
A justiça veio, mas a luta continua.
Texto e Foto: Agência Brasil