Cotas na USP, racial ou social?
A decisão adotada pelo Conselho Universitário da USP, no último dia 04 de julho, ao aprovar as cotas raciais e sociais para o vestibular de 2018, é histórica. Sem sombra de dúvida uma grande vitória da sociedade brasileira, em particular do movimento negro.
Mas, em que pese esta importante vitória para o processo de inclusão social e o combate ao racismo estrutural de nossa sociedade, é fundamental que aprofundemos a análise desta decisão, visto que a USP, é muito mais que uma universidade, ela é em verdade o centro nevrálgico da cultura e do pensamento da elite brasileira.
Não à toa, a USP foi o último bastião de resistência do conservadorismo brasileiro a admitir que as cotas raciais sejam uma ferramenta importante para a promoção da igualdade e o combate ao racismo em nossa sociedade, apesar do Supremo Tribunal Federal, já haver decidido esta questão, de forma também histórica e unanime, desde o ano de 2012.
E mesmo a decisão atual, está de tal forma mitigada, por percentuais, etapas, metas e cálculos que ainda levaremos alguns anos para que tenhamos de fato as cotas como realidade na USP. É bom lembrar aos incautos, que ainda hoje, entre os mais de seis mil professores que integram o quadro da USP, o número de professores negros não chega a dez.
Afirmo isto, pois a declaração do Reitor Marco Antônio Zago, não deixa dúvidas para muitas veleidades: “É emblemático, porque representa uma universidade que tem liderança e muita visibilidade no país. A inclusão social é um problema importante do ponto de vista de integração de nossa população”, afirmou ele. Repetindo a velha cantilena da elite brasileira de que no Brasil não há racismo, mas simplesmente uma desigualdade social.
É a recusa permanente, velada ou não, em reconhecer de que o racismo além de estrutural em nossa sociedade tem sido o garantidor dos privilégios e das iniquidades que beneficiam a esta mesma elite, desde os tempos coloniais.
Não esqueçamos que após terem sido derrotados na Revolução de 1932, a elite paulistana, sentiu a necessidade de formar uma nova elite capaz de contribuir não apenas para o aperfeiçoamento dos governos, mas para promoverem “uma revolução intelectual e científica suscetível de mudar as concepções econômicas e sociais dos brasileiros”, conforme afirmava os empresários que fundaram a Escola Livre de Sociologia e Política e a Universidade de São Paulo, bastiões da insurgência em São Paulo, naquele momento. .
Ou seja, desde “priscas eras”, a Universidade de São Paulo – USP buscou ser, não apenas a referência maior no campo educacional, mas também no campo político e intelectual, bem como na preparação, elaboração, formação e reprodução dos interesses dessa elite econômica e política em todas as fases da produção do conhecimento. . E não é preciso muito esforço para perceber que esses interesses são em grande parte antagônicos aos interesses da maioria do país e da população brasileira.
Daí, que devemos celebrar sim, com toda força e alegria, a queda de mais um bastião da resistência conservadora no país. Do mesmo modo, que devemos celebrar também, a coragem, a persistência e a determinação de inúmeras lideranças e organizações do movimento negro brasileiro, que ao longo dos tempos tem apontado o dedo para esta ferida gigantesca que é o racismo no Brasil.
Mas não podemos, nem devemos ensarilhar as armas e considerar que vencemos a guerra, pois sequer vencemos uma batalha. Teremos que construir passo a passo esse avanço, para que ele não se transforme em breve em mais uma figura de retórica, bem ao gosto da elite brasileira.
Toca a zabumba que a terra é nossa!
Zulu Araujo
Foi Presidente da Fundação Palmares, atualmente é presidente da Fundação Pedro Calmon – Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.
*Este artigo reflete as opiniões do autor. A Revista Raça não se responsabiliza e não pode ser responsabilizada pelos conceitos ou opiniões de nossos colunistas