Covid, varíola e o que animais têm a ver de verdade com isso

Por: Jaqueline Goes EDIÇÃO 241

Após o SARS-CoV-2, a área de infectologia e de controle de doenças avançou bastante. A Covid-19 mostrou, de forma enfática, disparidades sociais que refletem índices de saúde no país, nos permitindo debater questões raciais e do comportamento predatório do homem em relação ao meio ambiente.

Hoje, a atenção dos órgãos está voltada para a varíola dos macacos, cujo primeiro caso foi detectado no início de junho, em São Paulo. Cientificamente, as duas doenças têm relações entre si. Causadas por vírus, ambas despertam receio na população, o que é justificável: no Brasil, em 31 de agosto de 2022, somavam-se mais de 15 mil casos novos de Covid-19 e, até meados de setembro, mais de 5 mil casos da varíola. Mas, quanto à segunda doença, seriam os macacos os culpados? Sabe-se que a transmissão ocorre por meio do contato direto com pessoas contaminadas, mas, pelo nome, é comum associá-la aos símios. Por isso, vale salientar que estes animais não participam da transmissão do surto atual – o nome varíola dos macacos vem do fato de esta família de vírus ter sido notada inicialmente em primatas em 1958, na África.

Lá, o primeiro surto em humanos acometeu um garoto na República Democrática do Congo e, desde então, outros casos foram relatados em Camarões, Nigéria e Serra Leoa.

Contudo, a doença só passou a ser reconhecida pela imprensa ao chegar ao continente americano, em 2003, o que mostra como endemias só preocupam quando atingem a Europa ou América do Norte.

Aqui fica clara a falta de um olhar cuidadoso em situações epidêmicas pelas autoridades de saúde em regiões africanas, escancarando a negligência na predição, na prevenção e no tratamento nesta região do globo, resultado direto de um racismo estrutural antigo.

Além da falta de ações educativas em saúde, a presença de animais no habitat e a menção na nomenclatura das patologias ajudam a confundir a população, mesmo que já se tenha provado que macacos nada têm a ver com a transmissão da varíola. É importante, então, que se destaque como o avanço humano acarreta questões de saúde pública. Animais que passam a ser vetores podem indicar que estamos invadindo habitats naturais. Um exemplo é o próprio SARS-CoV-2, que pode ter saltado de espécie, passando a se disseminar entre humanos por meio de morcegos na China.

É fato que o aumento das populações levou à busca por mais espaço para abrigar pessoas e provocou o desequilíbrio ambiental. Assim, ver os animais como inimigos é mirar no alvo errado: a degradação iniciou com os humanos, os mesmos que disseminaram o SARS-CoV-2 e a nova varíola pelo mundo. Por isso, é urgente que aceitemos a responsabilidade por nossas ações a fim de reduzir o impacto de crises sanitárias.

*Jaqueline Goes de Jesus é biomédica, formada pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde
Pública, com mestrado em Biotecnologia em Saúde e Medicina Investigativa e doutorado em Patologia
Humana. Ganhou notoriedade internacional ao fazer parte da equipe, ao lado da Dra. Ester Sabino, que
realizou o sequenciamento genético do SARS-CoV-2 cerca de 48h após o primeiro caso da doença no país.

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