Criolo é capa digital da Rolling Stone Brasil

O luto e a esperança marcaram a produção de seu quinto álbum de estúdio, um retorno ao rap urgente e esperado

Com os versos, Criolo é rápido. Na poesia que abre seu novo disco, Sobre Viver(2022), percorre em curtos 30 segundos o trajeto entre pesadelo e esperança. A realidade, ele garante, não poderia ser mais distante: “A gente tá em 2022 e tem uns rap escritos há 30 anos que tão descrevendo os dias de hoje… As coisas não mudam, mano!”

São contrastes assim que o cantor expõe nas 10 faixas do novo álbum. Lançado nesta quinta-feira (5), Sobre Viver Reencontra um Criolo rapper, alinhando-se a Nó na Orelha (2011) e Convoque Seu Buda(2014) no que já aparece como uma trilogia. É um Criolo um tanto diferente daquele visto em 2017, quando lançou Espiral de Ilusão, todo baseado no samba.

“Esse álbum fala sobre fé, resiliência… fala mais uma vez sobre esse abismo social que a gente vive, e o que vem com isso”. Na raiz das letras potentes, Criolo fala da indignação, da raiva e do luto que precisou enfrentar até encontrar esperança em meio ao caos. 

O luto e a música

O luto, aliás, é tema importante na concepção e na produção do disco. Em 2021, Criolo perdeu sua irmã vítima de covid-19 aos 38 anos. Se a morte daria espaço, em setembro do ano passado um rap carregado de denúncia (“Cleane”), aqui o cantor trabalha o tema de modo mais emocional. Ao lado da mãe, Maria Vilani, remonta à origem da família e à chegada da irmã à família, na década de 1980: “Cuidar da minha irmã, agora só em prece / Ela não tá mais aqui… é que esse mundo não te merece”.

“‘Tão pequenina, uma linda’, eu canto. Ainda tá muito recente. Sempre vai ser recente quando você fala da morte de um irmão, certo? ‘Ah, mas passaram 30 anos’ – não, foi ontem! E não é porque a gente quer sofrer. É porque é um fato. E eu voltei em 1982 naquele barraco. E eu lembrei da minha mãe ali jovem, passando por aquelas fita toda. Agora a gente volta pra trocar ideia, em 2022, sem minha irmã.”

Denúncia de versos

Criolo tem muito a dizer. E diz, em músicas como “Sétimo Templário”, onde dispara em denúncias ligeiras ao racismo, às milícias, ao estado, aos genocídios: “Gestado por ordem de lago / Otelo sofreu vingança / Quando o racismo vira voto, a morte dropa na infância”. Mesmo nos temas mais sublimes de seu álbum, “Ogum Ogum” e “Yemanjá Chegou”, o músico lança luz sobre temas urgentes:

“Muitas casas de oração estão sendo destruídas e ninguém fala sobre isso. Ou, quando se fala, o espaço é pequeno, fala-se muito pouco. Essa intolerância religiosa pode se traduzir em outras frases: perseguição, assassinato, morte. Então é urgente sim.”

Toda a urgência, porém, fica nas músicas. Na conversa, ele descreve com calma, ainda que assertivo, a raiz da indignação presente em seu rap: “A parte social que já vinha frágil, lutando muito, foi totalmente esquecida, e isso fortaleceu ainda mais essa crueldade que deságua nas ruas, em fome, medo, depressão, sabe? É um país de fome, onde as pessoas estão cada vez mais se sentindo inseguras e tristes. Então, mais uma vez o rap se apresenta como portal para essa troca urgente, necessária. Sempre é hora de falar sobre melhoria. Mas não dá pra falar de melhoria e não falar de tudo o que tá acontecendo.”

“No tempo que tinha quer ser”

São os cenários e conflitos internos que acaba o afastando do próprio processo de composição, após o Carnaval de Espiral de Ilusões: “Eu fiquei uns três anos sem compor, antes da pandemia, eu ficava meio assim, tava até meio desacreditado de mim”, conta. Segundo ele, foi o apoio da família e dos colegas que o sustentou até o retorno à escrita, que veio de modo natural para ele.

“Foi no tempo que tinha que ser, só que eu não era dono desse tempo. Eu fui devagarinho voltando, sem perceber. Enquanto isso, todas essas pessoas que eu te falei dando apoio, respaldo, suporte”, diz, “mas tem coisas que têm o tempo delas, não adianta. Então isso foi acontecendo, devagarinho, devagarinho. E então aconteceu. Aconteceu assim”.

No processo, reencontra o duo Tropikillaz, com quem bota a maior parte do disco de pé. Convida MC Hariel, Liniker e Jaques Morelenbaun para as enxutas participações do disco. E também Milton Nascimento, a quem o emociona ao lembrar.

“Não tem como não se emocionar, sabe? Porque um texto tão duro e o Milton já cantou tanta coisa no planeta… Quando eu apresentei a música pra ele, ele já respondeu “gostei, quero gravar”. Eu não sei descrever o tamanho da minha emoção e o quanto essa música ficou gigantesca na voz dele”, conta Criolo.

É desses encontros que Criolo tira o que define como a tônica de seu disco – a esperança em meio ao caos, a perseverança de querer viver. “Eu tava com muito ódio, muita dor, muito desespero, tá ligado? Não que isso mudou, ou que acalmou. A arte oferece abraço, alento, aconchego, reflexão, caminho…”, diz. Antes chamado Diário do Kaos – com K de Kleber, pessoa física por trás de Criolo – o álbum é rebatizado Sobre Viver. E ganha o nome que entrega o conteúdo. “No meio desse processo todo a gente foi vendo que a gente tá sobrevivendo a isso tudo. A gente tem vontade de viver. A gente não abre mão de viver”.

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