De Natal em Natal, algo essencial parece se perder pelo caminho. A cada ano que passa, a data que simboliza nascimento, esperança e fraternidade vai sendo engolida por vitrines iluminadas, propagandas agressivas e uma corrida desenfreada pelo consumo. O que deveria ser pausa vira pressão. O que deveria ser encontro vira comparação. O que deveria ser afeto vira preço.
O Natal, em sua essência, nunca foi sobre o que se compra, mas sobre quem se encontra. Nunca foi sobre o excesso, mas sobre o essencial. A narrativa do nascimento de Jesus – simples, humilde, cercada por gente comum – fala muito mais de acolhimento do que de ostentação. Fala de um salvador que nasce em meio à escassez, trazendo a promessa de um mundo mais justo, e não de um mercado mais lucrativo.
Ainda assim, paradoxalmente, vemos muitos que se dizem cristãos usando a Bíblia e o próprio Natal como escudo para justificar práticas que negam completamente os ensinamentos que dizem defender. Em nome de uma fé distorcida, cometem exclusões, praticam homofobia, alimentam discursos de ódio e, em casos ainda mais graves, depredam terreiros e atacam manifestações religiosas que não seguem sua cartilha. É um contrassenso doloroso: celebrar o nascimento de alguém que pregou amor ao próximo enquanto se nega humanidade ao outro.
O Natal que deveria unir acaba separando. O Natal que deveria acolher acaba julgando. E o ideal de fraternidade se dilui em meio a dogmas usados como armas.
Há também outro fenômeno que grita silenciosamente neste fim de ano: o avanço dos jogos de azar. Em um ano marcado pelo estouro dessas plataformas, muitas famílias chegarão à ceia – quando chegam – com a mesa vazia não por falta de trabalho, mas pela ilusão de um dinheiro fácil que nunca veio. Sonhos vendidos em apostas rápidas resultaram em perdas profundas, não só financeiras, mas emocionais. O Natal, que deveria ser tempo de esperança, para muitos será de frustração e ausência.
Enquanto alguns trocam presentes superfaturados, outros contam moedas. Enquanto alguns celebram, outros lidam com a culpa, o silêncio e a vergonha. E tudo isso escancara o quanto nos afastamos do sentido original da data.
Talvez seja hora de desacelerar. De lembrar que o Natal sempre foi mais sobre reunião do que sobre consumo. Mais sobre mesa compartilhada do que sobre vitrine iluminada. Mais sobre esperança do que sobre sorte. Mais sobre cuidado do que sobre lucro.
Que este Natal nos convide a olhar menos para fora e mais para dentro. A praticar mais empatia do que opinião. A estender mais a mão do que apontar o dedo. Que possamos resgatar o ideal esquecido: o de um mundo onde o nascimento de uma criança simboliza a possibilidade real de transformação.
Que o Natal volte a ser abrigo, não vitrine. Encontro, não disputa. Fé que acolhe, não que fere. E que, de Natal em Natal, a gente consiga lembrar – e viver – o que realmente importa.






