Decolonizar a moda é preciso e necessário
Por Gustavo Narciso, Diretor Executivo do Instituto C&A
Decolonizar. Conceito complementar, mas não igual ao da decolonialidade, que diz respeito ao
ato de desafiar os resquícios coloniais de nosso passado. A ideia de descolonizar pela perspectiva
do povo negro no Brasil tem o objetivo de resistir e dar voz a pensamentos diversos.
Com forte passado escravocrata, mal superado há apenas 134 anos, no entanto, o país segue,
em diversos aspectos e searas, refém de referências coloniais – e, por colonialismo, podemos
ressaltar também ações heteronormativas e brancas.
Na moda o cenário não é muito diferente. Embora nosso país tenha características climáticas e
culturais muito próprias, a colonização na forma como nos vestimos e nos expressamos ainda é
muito forte no dia a dia. Isso sem considerar questões relacionadas à apropriação cultural, tema
tão debatido nos últimos anos, mas, talvez, sem tanta profundidade e que ainda merece a devida
atenção – especialmente no segmento da moda.
É claro que tivemos ganhos significativos nos últimos anos. Estilistas e produtores de moda
negros e indígenas como a Isaac Silva e Day Molina, idealizadora da marca Nalimo, têm recebido
o reconhecimento que sempre mereceram. Mas é preciso mais. Nós merecemos mais.
Estou cansado de ver os mesmos rostos – brancos, magros e heterossexuais – ainda
representando o que é supostamente o que há de melhor por aqui. Precisamos da
representação de um Brasil real, um Brasil diverso e multicolorido. Um Brasil que a gente vê vivo
todos os dias e que é constantemente copiado, mas nunca celebrado.
Precisamos ampliar o olhar e pensar a moda como uma possível ferramenta decolonial, que
passa a ter mais sentido quando pensamos as roupas e as maneiras de vestir como propulsores
de uma compreensão de diversas culturas e modos de ser e estar em comunidade. Para isso,
ainda que por meio de ações pontuais e específicas, tenho me colocado como um ativista
corporativo dentro do Instituto C&A, onde atuo desde 2019 e pela qual tenho sido o responsável
desde 2020.
Pensando em como ocupar e transformar os espaços em que a moda está presente, no ano
passado realizamos nossa primeira parceria com a Feira Preta, em que trouxemos a
possibilidade de a cliente da C&A comprar produtos de marcas de pessoas negras por meio da
plataforma Nosso Encontro, que conectou com o site da C&A seis marcas desenvolvidas por pelo
Instituto em parceria com a PretaHub, idealizadora do evento.
Em continuidade a essas ações, este ano, em parceria com outras grandes varejistas de moda
como Renner, Hering, Arezzo, Malwee, e o Colabora Moda Sustentável, realizamos a primeira
Formação Antirracista na moda justamente com esse objetivo – de conscientizar, impactar e
mudar esse segmento.
A moda é, acima de tudo, uma forma de expressão. E todos deveriam poder se expressar da
forma como faz mais sentido de acordo com o seu perfil. Enquanto homem negro e gay, formado
em engenharia bioquímica, tive que galgar meu caminho dentro do mundo da moda a duras
penas, embora tenha conhecido pessoas incríveis que me acompanharam nessa jornada. E sei
que tantos iguais a mim passaram e passam pelas mesmas situações, mesmo que veladas, até
hoje. Essa, no entanto, não deveria mais ser a regra em pleno 2022.
Pequenas ações hoje mudam a realidade em que estamos inseridos e é nisso que precisamos
investir para tornar o segmento da moda mais diverso e, honestamente, mais preto.