DESAFIOS DO NEGRO NO MUNDO
Maurício Pestana pega como gancho para sua coluna os desafios do negro no mundo. Confira
TEXTO: Maurício Pestana | FOTO: Rafael Cusato | Adaptação web: David Pereira
Desafio. Essa talvez seja a palavra mais correta para traduzir a história do negro no Brasil e no mundo nos últimos 500 anos. Desafio de sobreviver às mais insalubres condições de vida humana, durante e após a travessia do Atlântico, deixando para trás casa, família e amigos e iniciando um novo caminho, agora na condição de escravizado.
Desafio de preservar a cultura, a religião e a dignidade mesmo nas condições mais adversas, em um mundo onde nossos valores eram medidos apenas pelo quanto podíamos produzir para o enriquecimento e a construção de um país que até os dias de hoje exclui seus descendentes negros das riquezas. Jamais fomos indenizados pelos mais de 17 milhões de escravizados mortos em quase quatro séculos de escravização.
Desafio de manter em pé a esperança, a ética, a alegria e o sonho, respondendo ao açoite e ao sofrimento com uma cultura de tolerância e de inclusão, contrapondo a exclusão histórica recaída sobre nós. Desafio de unir descendentes de nações, etnias, línguas e costumes diferentes de um continente tão diverso como o africano no firme propósito de combater o racismo de ontem e de hoje, que insiste em nos subjugar, como seres inferiores.
Desafio de seguir adiante mesmo após 380 anos de escravização, de termos construído estradas, cidades, dado sustentação a ciclos econômicos, edificado praticamente um país inteiro, recebendo em troca o desemprego e o racismo sob a alegação da necessidade de nossa substituição por uma mão-de-obra mais “qualificada”, portanto europeia, no final do século XIX. O desafio de passar pelo século XX enfrentando a discriminação, o preconceito e a exclusão econômica e educacional, resistindo e contribuindo com a essência da música, da dança, da culinária, do jeito de ser e viver do brasileiro.
Desafio de preservar e levar adiante a cultura brasileira, sem a qual não seríamos o que somos como nação, mas com olhos abertos para entender e enfrentar as novas formas racismo, presentes inclusive no futebol, onde sofremos discriminação desde o início do século passado, apesar do maior jogador de todos os tempos e atleta do século, o rei Pelé, ter a pele negra.
Para a Raça, o desafio é manter a revista relevante e atrativa com o conteúdo sempre voltado ao nosso povo, alegre e batalhador por natureza. Não poderia deixar de dizer que, por aí afora, outros parceiros resistentes mantém faculdade, sites, escolas de samba, grupos de capoeira, quilombos e templos que celebram as religiões de matriz africana. E não esquecer os outros desafios como manter e educar um filho negro nessa sociedade excludente.
Com essa perspectiva, encaro um novo desafio. Assumo a posição de secretário-adjunto da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial de São Paulo. Sei que tenho pela frente uma das tarefas das mais desafiadoras que já enfrentei, principalmente para quem sempre viu a participação dos negros em alguns processos como mera encenação. Mas estou convicto que sem tentativa e sem essa luta não há como avançarmos e garantirmos nossas conquistas.
No momento em que algumas instituições públicas têm sido colocadas em cheque, junto-me aos poucos gestores públicos no Brasil com enfoque na questão racial. É mais que um desafio, é a oportunidade de suprir a necessidade de garantir e ampliar políticas públicas que favoreçam também a população negra, como o Estatuto da Igualdade Racial, a Lei 10.639-03 e a lei de cotas raciais nos serviços públicos, recentemente assinada no município de São Paulo e tida como uma das mais modernas do país.
Ainda continuarei aqui nessa coluna, agora na qualidade de colaborador, após assinar como diretor executivo da Raça por sete anos. Espero continuar contribuindo com o mesmo espírito crítico que tem marcado minha permanência nessas páginas, agora com um olhar ampliado para levar a luta por igualdade racial mais longe. Axé.
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