Desenvolvimento, renda e lucro na indústria da alegria

Carnaval é hoje uma importante força de integração no Brasil e um negócio que gera milhões de dólares e emprega milhares de pessoas

Sempre recebo provocações salutares, que causam reflexões, e algumas me ajudam a poder letrar amigos sobre assuntos que parecem simples, mas, quando trazidos para realidade brasileira, são bastante complexos.

Durante este Carnaval, recebi de um grande amigo e parceiro um post de Olavo de Carvalho, ex-guru do então presidente Jair Bolsonaro, com o seguinte comentário: “O Carnaval é a expressão mais genuína brasileira. É o tempo em que o povo brasileiro se reúne para celebrar sua própria ignorância e sua miséria.”

Eu poderia ter entrado na armadilha de começar a dissecar a biografia, hoje bastante questionável, deste “guru” que ajudou a moldar o bolsonarismo em nosso país, mas teria resultado em uma discussão política típica de uma das teses também inflada por este senhor, a do “nós contra eles”, que apenas tem servido para dividir ainda mais este país. Por isso, preferi elevar a discussão apenas ao plano econômico.

O Carnaval brasileiro é uma indústria sem igual. Deixou de ser apenas uma festa para se tornar um negócio que gera milhões de dólares para economia brasileira e emprega milhares de pessoas durante o ano inteiro.

É uma indústria única no mundo em que a cadeia produtiva envolve desde as grandes companhias de bebidas a empresas aéreas, passando pela rede hoteleira e terminando na indústria de reciclagem, em que até o catador de latinha consegue faturar mais durante a folia.

O Carnaval já deixou de ser há muitas décadas apenas uma festa popular de uma semana, ou o “ópio do povo”, como a esquerda nos anos 70 definia o evento. Hoje, é uma importante fonte de desenvolvimento e renda para o Brasil – reforço, gerando empregos durante o ano inteiro em barracões, escolas e na indústria que promove “o maior espetáculo da terra”.

É óbvio que algo que se desenvolveu em um país como o nosso também traz consigo uma das nossas marcas, a desigualdade. É certo também que a indústria da aviação aérea, a hoteleira e outras indústrias faturam mais do que os catadores de materiais recicláveis – que, inclusive, estão ajudando a preservar o meio ambiente.

As desigualdades raciais também têm se desenvolvido com a festa. Na presidência das grandes escolas do Rio e de São Paulo, por exemplo, a presença negra é quase inexistente, diferentemente do período em que a festa não resultava em lucro e nem movimentava os milhões de dólares que movimenta hoje em todo o país.

Isso não é uma exclusividade de paulistas e cariocas. Os blocos e trios que mais faturam no Carnaval de Salvador não são os blocos afros ou controlados por negros, na cidade em que 82% da população se autodeclara negra – um reflexo direto de uma sociedade que precisa mudar, e não criticar ou acabar com um produto que é racial, e ideologicamente ainda é capaz de unir pessoas diferentes no mesmo ambiente, na mesma festa.

A indústria do Carnaval brasileiro não tem parâmetros no mundo, é nossa Hollywood, muito mais eficaz do que aquela famosa fábrica de sonhos, pois eles jamais conseguiriam produzir um espetáculo colocando 4.500 atores para contar uma história em uma hora sem poder ter atraso de um minuto sequer. E nós desenvolvemos essa tecnologia da criatividade sem os milhões de dólares destinados àquela indústria, e ainda dando um espaço democrático para esses milhares de atores se realizarem – uso aqui como exemplo apenas de uma única escola de samba.

Em um momento em que o uso da inteligência artificial tira milhares de empregos e ameaça extinguir outros mais, criticar uma indústria que, muito mais que gerar emprego, integra, educa e movimenta a economia, trazendo alegria, entretenimento e cultura, é, no mínimo, não estar inteirado com o tempo em que vivemos. É não olhar para o futuro!

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