Dados do Censo 2022 revelam desigualdades estruturais que impactam diretamente a juventude negra quilombola no Brasil. Maioria vive em áreas rurais e enfrenta precariedade no acesso à água, esgoto e educação.
A desigualdade estrutural enfrentada pelas comunidades quilombolas no Brasil foi escancarada pelos novos dados do Censo 2022, divulgados pelo IBGE. De acordo com o levantamento, 94,6% da população quilombola em áreas rurais vive com algum tipo de precariedade no saneamento básico — cenário ainda mais alarmante dentro dos Territórios Quilombolas oficialmente delimitados, onde o índice chega a 93,82%.
As condições envolvem desde o uso de fontes de água não tratadas, ausência de esgotamento sanitário adequado, até a destinação inadequada do lixo. Em algumas localidades, mais de 7% dos moradores vivem sem nenhum tipo de banheiro ou sanitário, prática que evidencia a persistência da violação de direitos básicos.
Apesar da invisibilização histórica, a população quilombola soma mais de 1,3 milhão de pessoas, das quais 61,7% vivem em áreas rurais e 38,3% em áreas urbanas. Em regiões como o Piauí, esse percentual ultrapassa os 87%.
Juventude em territórios marcados pela exclusão
Outro dado alarmante é a idade média da população quilombola em áreas rurais dentro dos territórios: 27 anos. Quase 53% têm menos de 30 anos, o que revela que essa juventude negra está crescendo em territórios com infraestrutura precária e acesso desigual a serviços básicos. A taxa de analfabetismo, por exemplo, chega a 22,7% nas áreas rurais, quase o triplo da média nacional.
Mesmo assim, as taxas de alfabetização são ligeiramente maiores dentro dos Territórios Quilombolas do que fora deles, indicando que onde há fortalecimento comunitário e educação contextualizada, há também mais resistência. “Você consegue trazer a comunidade para a escola, e a escola tem muita importância dentro dos territórios”, afirmou Marta Antunes, coordenadora do Censo para Povos e Comunidades Tradicionais.
Mulheres na linha de frente
Embora haja predominância masculina nas áreas rurais, mulheres quilombolas são maioria entre os responsáveis por domicílios nas áreas urbanas e dentro de territórios delimitados em contexto urbano. Também apresentam menores taxas de analfabetismo em comparação aos homens.
Em domicílios com presença quilombola, 61% apresentam estrutura familiar com responsável e cônjuge, mas mais de um terço são chefiados por uma única pessoa, majoritariamente mulher — o que reforça a centralidade das mulheres negras na manutenção das redes de cuidado e sobrevivência.
Saneamento, lixo e invisibilidade
Além da falta de acesso à água tratada e esgoto, o descarte de lixo também revela desigualdade gritante. Em áreas urbanas dentro dos territórios, 14,36% dos quilombolas não têm acesso a coleta de lixo, índice dez vezes maior que o da população urbana em geral (1,43%).
O estudo ainda mostra que 29,58% das pessoas em territórios rurais vivem nas três formas mais graves de precariedade: sem acesso adequado à água, esgoto e lixo. Esse percentual é quase dez vezes maior do que o registrado na população brasileira como um todo.
O que esses dados dizem?
Eles dizem que ser quilombola no Brasil, hoje, é resistir diariamente a um projeto de apagamento. E que apesar da juventude, da força e da organização comunitária, persistem violações sistemáticas de direitos básicos — como acesso à educação, saúde e infraestrutura.
Mais do que números, os dados do Censo 2022 devem ser compreendidos como uma convocação à responsabilidade do Estado brasileiro. Sem políticas públicas específicas e efetivas, seguimos negligenciando parte essencial da nossa história, da nossa cultura e do nosso futuro.
Fonte: IBGE. “Censo 2022: Quilombolas – Principais características das pessoas e dos domicílios, por situação urbana ou rural do domicílio.” Publicado em 09/05/2025.