Diversidade espetacular

Por: Maurício Pestana

Aos 36 anos, nascido na zona leste de São Paulo, mais precisamente Itaquera, Thiago pode se dizer que é um exemplo clássico daquela frase bastante decorrente na comunidade negra que é “contrariei o destino que normalmente é imposto para negros e negras das periferias das nossas cidades”. Incentivado sempre pelos pais a estudar, mas também praticar esporte, Thiago fala do quanto essa base familiar foi importante na sua vida:

Hoje uma das estrelas da Globo a área do esporte, nosso entrevistado conta que a comunicação estava na veia desde criança, algo natural, intuitivo e que acabou virando profissão.

Confira a entrevista:

Como o jornalismo entrou na sua vida?

Thiago – Em fevereiro 2002 entrei na faculdade, fiz rádio TV e em fevereiro de 2020 entrei como estagiário da Rádio Cidade, Rádio Sucesso daqui de São Paulo e desde então eu não parei. A partir do momento em que entrei na rádio, porque um estagiário, ainda mais nessa época, não ganha absolutamente nada, né, ganhava 180,00 e trocava o passe de ônibus pra comer. Eu passava o dia na rádio, porque ali eu aprendi a questão mágica da interpretação, a questão mágica da voz, da comunicação das pessoas. Naquela época não tinha redes sociais, não tinha câmera no estúdio como tem hoje, então você brinca, com absolutamente tudo, com a imaginação de tudo e ali eu aprendi muitas coisas porque eu pedia ajuda aos diretores, eu falava com o diretor artístico da rádio dizendo: “pô posso aprender aqui como fazer um roteiro, que a gente fala programação da rádio?” E locução: “como que eu faço esse tipo de locução?” tipo: “tá aqui o texto, como que você vai ali pra cabine pra poder gravar?”, e ali eu comecei a fazer muitas coisas, ficar 10/12h no estudio.

E como você pulou de estágio para apresentador?

Thiago – Tive uma oportunidade de entrar no ar , o locutor passou mal e não tinha ninguém, eu trabalhava na madrugada nessa época, então eu entrava às 10h da noite, saía às 3h da manhã, 7h da manhã estava na faculdade. Assim que acordava na parte da tarde, eu ia pra rádio e passava o dia lá. Um dia o locutor passou assim, “vai você”; o diretor acreditou em mim e eu acreditei, porque desde o primeiro momento eu me junte aos locutores que estavam ali, que sempre foram referência na área de comunicação e foi ali, que eu entrei no ar, no finalzinho de 2002, início de 2003.

Foi até engraçado, porque a primeira vez eu tive essa oportunidade de falar no ar, foi em um programa que eu um estouro de audiência, que era o “Love Songs”, um programa tipo prime the prime, de qualquer rádio, de qualquer audiência, enfim eu fui pro ar e fiz o Love Songs e depois eu tive outros programas, com as oportunidade que eu tive lá, eu sempre fui um cara que sempre pensou grande, sempre pensei grande.

E isso te traduziu em ação?

Thiago – Sim, nessa época, mesmo ganhando muito pouco, comecei a juntar dinheiro pra gravar meu material pra mandar pra emissoras e tudo mais. Logo na sequência, entrei na rádio em 2002, saí em 2004 ou 05, com o dinheiro que eu tinha guardado, comecei a fazer algumas publicidades, comecei a fazer algumas campanhas e gravei um piloto. Esse processo foi uma coisa muito pensada porque eu sempre tive a consciência que eu não conhecia ninguém de televisão, não tinha nenhum QI (quem indicou), meu pai é comerciante e minha mãe também, eu não conhecia absolutamente ninguém, então eu tive que pensar, como começar aquilo que eu quero. Não adianta só fazer um programa de música, não tem como eu começar a entrar ou sonhar com um programa de música de do que eu gosto apenas.

Quando entrou um programa chamado “Best Shop TV”, eu olhei aquele programa, foi no dia 20 de dezembro de 2006, entrou aquele programa no ar na TV Gazeta, nunca me esqueço, e assim que entrou, eu falei: é aí que eu vou entrar, é aí que eu vou começar; então, aquele dinheiro que eu guardei, eu fiz um piloto, puramente para o “Best Shop TV”, aproveitei aquele material e aí fiz na capa um álbum todo personalizado, com um DVD que eu tinha gravado, com a logo da emissora, a logo do programa, um currículo nessa capa, enfim, tudo padronizado, né, especialmente pra esse produto.

Aproveitei também, tirei outras cópias e mandei pra outras emissoras que tinham o mesmo perfil daquele programa, que era um programa de vendas e mandei pra outras emissoras. No início de 2007 eles me chamaram pra fazer um piloto, eu não passei nesse piloto, uma outra pessoa entrou, mas aí o diretor me falou: “olha você não entrou, mas eu quero você de volta, eu vou te chamar aqui pra você fazer o processo seletivo de novo” e aí, no segundo semestre de 2007 eu fiz o teste, passei, e no dia 24 de novembro de 2007 eu entrei no ar, fazendo o “Best Shop TV”. Desde então eu não parei, fiquei três anos no “Best Shop TV”, fiz o meu programa “Super Esporte” também na TV Gazeta, de lá eu fui pro Sport TV, no Rio de Janeiro, fiquei quatro anos lá apresentando o “Tô na área”, fiz troca de quadros,” Sport TV News”, Olimpíadas, Eurocopa, enfim, e aí depois eu voltei pra São Paulo, fazendo o “Bom dia São Paulo”, “Hora Um”, tive a oportunidade de fazer Globo Esporte e agora, nesse novo grande desafio, o Esporte Espetacular.

Depois de muita luta, você conseguiu chegar a apresentador da principal emissora de TV do país , e uma das maiores do mundo. Qual o sentimento ?

Thiago – Cara, primeiro de muita gratidão, principalmente aos meus pais e por eu ter acreditado naquilo que o meu coração sempre disse. Muita gratidão, muita felicidade também e sabendo da responsabilidade. Tem o lado bom e o lado ruim, as pessoas que convivem comigo sabem disso, o lado ruim é que eu não comemoro durante muito tempo, eu comemoro e aí eu sempre coloco dentro de mim: “ok, passou, simbora, vem outro desafio!” Eu sempre falo: uma notícia boa vem, eu comemoro durante 05 minutos, cinco minutos se passaram e é hora de voltar pra si, pro foco e levar isso com normalidade, como se fosse de costume. É claro que não é, mas é um mecanismo que eu utilizo pra eu enfrentar cada vez melhor o desafio que vem e fazer aquilo que eu preciso fazer, mas é uma gratidão assim, fico muito feliz por aquilo que eu acreditei, pela minha volta pra São Paulo, eu sei o tamanho da camisa, que é o Esporte Espetacular, quando a gente fala “camisa” é igual ao peso da camisa do jogador que entra, tenho noção desse peso justamente por isso, porque eu cresci assistindo, ouvindo é natural que quando você veste a camisa você fala “opa, o negócio agora é de gente grande”.

Você está imprimindo um estilo muito legal naquele programa, você chega de uma forma diferente, porque o Esporte Espetacular tem uma característica , mas a sua presença é sem diferenciada, é marcante, com muita propriedade.

Thiago – Com você falando isso eu fico feliz, porque não é algo que dentro da abertura no Esporte Espetacular eu não fico pensando: “Ah eu preciso entrar diferente”, não, sou eu, 100% o meu coração e ali eu acho que tem muito a ver com o que eu falei pra você sobre a energia. Eu preciso sentir coisas boas e eu tenho uma equipe muito boa, graças a Deus eu faço muitos trabalhos também, muitos trabalhos fora, eventos e tudo mais, e nem sempre a gente sente isso, você tem que se preparar muito mais, respirar fundo e fazer muito mais. Eu fazer o meu trabalho ali é 100% a minha pessoa, o que eu sou, o que eu sou agora em casa falando com você e nesse próximo domingo do que eu vou fazer. Então ao longo da semana a gente tá discutindo espelho com a equipe, de como levar a tal informação, como levar essa informação que tá ali no telão para câmera 1, 2 ou 3 e isso ao longo da semana eu fico desenhando na minha cabeça. Chega na hora eu crio outras coisas, eu faço de outras formas, é claro que tem um padrão daquilo que eu desenhei ao longo da semana, como fazer e tudo mais, mas na hora eu deixo as coisas fluírem, tipo “ah isso aqui eu vou fazer desse jeito agora”, e é frações de segundos, está voltando o VT e eu escuto o meu diretor falando: “10s” e eu me pergunto: “como que eu vou fazer isso? Ah, então vou fazer desse jeito e simbora, daqui a pouco eu já tô fazendo de novo.

Como você está vivendo esse momento de pandemia?

Thiago – Acho que como qualquer cidadão brasileiro viu, é um sofrimento diário, porque a gente queria estar num Brasil completamente diferente, então nesse momento é todo dia você respirar fundo e fazer o que precisa ser feito que é se cuidar muito, acreditar na ciência, nos médicos e nas pessoas que estudaram anos e anos e estudam até hoje para levar a informação correta, seja na área do jornalismo, seja na área da saúde. Mas é claro que a gente fica abalado, a gente sabe de tudo o que está acontecendo, principalmente nós que procuramos a informação correta, a gente tá ali a todo minuto recebendo atualizações, mas é com muita tristeza e a gente tem que seguir, fazer o que precisa ser feito e acreditar no momento melhor que o Brasil ainda vai ter. É difícil trabalhar, vida social é zero porque é extremamente importante você se privar, se cuidar, ficar em casa; todo mundo tá cansado de ouvir essa frase, mas a gente só pode fazer isso, então faça da melhor maneira que vai cuidar de você e deixar você em primeira pessoa com saúde e deixar também as pessoas que estão no seu entorno.

Eu e muitas pessoas cada um em uma forma remota, também se cuidando, eu vou poucas vezes à redação, só quando a gente precisa gravar uma chamada ou é entrevistado por videoconferência, mas no dia a dia, reuniões e tudo mais é tudo em casa, porque a gente tem que se cuidar e pensar em primeiro lugar na saúde. Sem saúde a gente não trabalha, sem trabalho não tem dinheiro, a base de tudo é a saúde. Acho que os brasileiros poderiam pensar dessa forma, nem todos pensam, mas o importante é cada um fazer o seu.

Como você vê a questão racial hoje no Brasil e no mundo?

Thiago – Eu vou contar no Brasil, porque no mundo, cada país é diferente, eu acredito que os Estados Unidos estão muito mais à frente em relação à discussão sobre o assunto, mas falando sobre o Brasil, eu acho que a gente tá em um momento em que é importante haver uma comunicação fluida e orgânica sobre o assunto. Acho que a melhor forma de falar sobre o assunto que é tão delicado, mas que a gente pode levar isso de uma forma mais fluída e não pesada, eu acho que vem de entender que aquilo é necessário quando está sendo feito. Em todos os momentos quando há a oportunidade de falar sobre o assunto, ele precisa ser falado e debatido, as pessoas agora como um todo, azul, branco, amarelo, preto, vermelho, precisam ver que de fato aqui no Brasil não existe que “não, mas no Brasil não tem racismo”, esse novo momento que o Brasil está vivendo, onde a comunicação é muito mais rápida ou que acontece muito mais fácil de ser distribuída, onde todos veem o que acontece em determinados locais do Brasil pelas redes sociais, o assunto hoje é muito mais falado, então as ideias são diferentes, a comunicação é diferente, a maneira como aquela pessoa nunca olhou pro racismo também muda, seja ela racista ou não. Mas acredito que a gente está no momento em que deveríamos ter estado já há um tempo; se demorou, ok, mas que bom que tá tendo agora. O amanhã vai ser melhor, ainda, e depois de amanhã melhor ainda, sabe, o bom é que começou e está continuando; então, a continuação sobre o discurso, e sobre a repercussão, olha pro copo meio cheio, então a nossa missão é olhar pra frente e levar, criar caminhos olhando pra frente e não pra trás. Eu e muitas pessoas cada um em uma forma remota, também se cuidando, eu vou poucas vezes à redação, só quando a gente precisa gravar uma chamada ou é entrevistado por videoconferência, mas no dia a dia, reuniões e tudo mais é tudo em casa, porque a gente tem que se cuidar e pensar em primeiro lugar na saúde. Sem saúde a gente não trabalha, sem trabalho não tem dinheiro, a base de tudo é a saúde. Acho que os brasileiros poderiam pensar dessa forma, nem todos pensam, mas o importante é cada um fazer o seu.

Você já sofreu algum tipo de discriminaçã racial?

Thiago – Eu não fujo da estatística, claro que sim, mas olha, uma coisa que eu coloquei pra mim, até pelo que meus pais me ensinaram em todos os momentos eu coloquei e coloco meu propósito à frente, a minha missão à frente, olhei o meu objetivo, posicionei o meu objetivo no meu foco, pra continuar. Eu sei da realidade, eu sei que qualquer coisa que eu quiser vai ser difícil, então eu vou fazer duas, três vezes mais, isso já tá no DNA de qualquer pessoa que sabe que isso acontece, entendeu? Dessa maneira é óbvio que eu já passei, amanhã talvez possa acontecer, mas eu prefiro olhar justamente pro meu foco, pro meu objetivo.

Não vale a pena, por mais doído que seja, debater o assunto com essa pessoa. É claro que calado eu não fico, todos devem falar, já passou o tempo em que a gente ficava com isso e vivia com medo de se sentir mais rejeitado ainda, mas hoje os tempos mudaram, eu falo mesmo tudo o que acontece, mas eu vou pra frente, o mundo dá voltas, o mundo é muito grande e todas as pessoas precisam ter oportunidades, eu busco as minhas oportunidades, eu vou ali encho meu peito de ar e vou pra frente, só olho para o meu propósito.

Que dica você daria para os jovens que sonham em ingressar na carreira de jornalista/apresentador?

Thiago – Olha, não sei se como eu aprendi e como eu faço é o correto, o que eu falo é diante daquilo que meu coração diz. O primeiro lugar é olhar pro próximo como um ser humano, olhar para aquele profissional como profissional, “ah mas esse profissional é preto, branco ou azul”, não, se questione se você gosta da maneira como esse profissional de comunica, se você gosta, faça igual a ele, não é copiar, mas a partir do momento em que você gosta e vai fazendo igual, com o tempo você vai lapidando e encontrando o seu jeito, então é você ter muito foco e acreditar muito naquilo que você quer, independentemente de qual profissão, em quem você se inspira ou com quem você quer parecer ser, a partir do momento em que você entra num desafio e você não acredita, não vai dar certo, por que que não vai? Porque ao longo desse caminho, muitos obstáculos vão aparecer e os obstáculos serão superados, diante daquilo que você acredita e como você acredita tanto, tanto; na hora que você olha pra trás você até fala assim: “nossa, passei por tudo isso?”; e você não sentiu, porque você tá tão focado no seu objetivo e você almeja tanto, sempre respeitando o próximo sem fazer mal ao próximo, que todos os obstáculos que existem em qualquer profissão, para qualquer pessoa, você consegue de fato seguir e trilhar o seu caminho.

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