DJ cria plataforma para divulgar trabalhos de mulheres negras: ‘União’
Cássia Sabino, mais conhecida como Afreekassia, é uma DJ que trabalha para dar visibilidade a produções artísticas negras e que criou uma plataforma para compartilhar o trabalho de mulheres como ela.
“Afreekassia, além de ter ligação com o meu nome, significa África livre, e remete a uma alma livre. Tem tudo a ver com meu propósito”. É o que diz a DJ Cássia Sabino, de 21 anos, sobre seu nome artístico. Além de trabalhar com música, ela também divulga o trabalho de mulheres negras com objetivo de dar voz e espaço a sua cultura.
A relação da jovem com o movimento negro começou cedo. Como mulher negra, ela relata que apesar de vivenciar atitudes racistas, sempre conversou abertamente com os seus pais sobre isso. Mas, foi apenas na faculdade, que percebeu a importância de assumir os cabelos crespos e ter voz.
“Eu demorei para aceitar o meu cabelo. Com oito anos, eu comecei a fazer relaxamento. Quando entrei na faculdade decidi assumir os cachos e me relacionei com várias pautas do movimento negro. Tive uma postura diferente com a vida, minha autoestima cresceu e aceitei a minha identidade”, relata.
No fim de 2016, ela começou na carreira de DJ. Realizou uma pesquisa musical só com mulheres negras, já que sempre acompanhou artistas como Ciara, Missy Elliott e Beyoncé. “Além de me identificar, enxergo beleza e representatividade nos trabalhos delas. Escolhi então representar mulheres negras e tenho alcançado cada vez mais pessoas e mais espaço com a minha mensagem”, diz.
Apesar de estar expandindo seu trabalho na música, ela afirma que é complicado se manter nesse cenário artístico cultural, conseguir reconhecimento e ter retorno financeiro imediato. “Eu geralmente toco em eventos e festas que dialogam com as coisas que eu acredito, mas não me fecho para outros tipos. Eu gosto muito de estar nesses espaços que me sinto acolhida e vejo que as pessoas estão se identificando com o meu trabalho”, comenta.
Até o ano passado, Afreekassia fazia parte de um grupo de rap chamado incógnito, em que fazia shows e até chegou a lançar algumas músicas. Atualmente, ela está estudando a possibilidade de uma carreiro solo, com músicas autorais.
Portal Umoja
A DJ criou em 2016, um coletivo chamado Umoja, a partir de uma necessidade que tinha de estar em contato com mulheres negras. Quando começou a cursar relações públicas, se incomodou pelo fato de estar em contato com a história da cultura negra e não ter com quem dividir.
Foi então que decidiu criar o coletivo. “O nome Umoja veio de uma vila matriarcal do norte do Quênia, que só mulheres participam. Elas usam essa Vila para se protegerem de relacionamentos abusivos e violência sexual. Elas cuidam umas das outras, criam renda, plantam alimentos, se dividem e se organizam para manter um ambiente seguro para todas”, explica.
O objetivo de Cássia com a criação, segue o mesmo objetivo da vila: estabelecer uma união entre mulheres e criar uma rede para interessadas em fazer parte de um grupo negro e feminino. O foco, de acordo com ela, é dar visibilidade e interagir com produções artísticas de outras mulheres negras, através de vídeos, textos e até mesmo eventos que movimentem essa cena cultural.
Em 2019, ela explica que o portal começa uma nova fase, deixa de ser um coletivo para se afirmar como uma plataforma de interação de produção de conteúdo. “Quero unir e gerar visibilidade entre mulheres negras, não só entre aquelas que produzem arte, mas também empreendedorismo. Nesse tempo de existência fizemos algumas ações bem importantes e legais. No último ano promovemos o Festival de Arte Preta, em que convidamos várias artistas de Santos de São Paulo”.
No fim de 2017, através da plataforma, ela também produziu um documentário, chamado ‘Donas e Proprietárias’, em que Afro-empreendedoras de Santos falaram sobre suas experiências e trajetórias.
Conversando com outras meninas negras, ela explica que sentiu que precisava trabalhar no portal outra coisa importante, já que sentiu ausência de histórias das gerações passadas. “É muito vago como nossas avós e bisavós viveram. São poucos os registros, só há algumas fotos. Quero resgatar essas histórias e também registrar as atuais, para a próxima geração ter uma ideia mais concreta do que aconteceu na nossa época”, conta. Ela acredita que seja importante que a história dessas pessoas sejam contadas pelas próprias mulheres negras.
Depois da criação do ‘Portal Umoja’ e da postagem de conteúdos, as pessoas se interessaram e começaram a convidá-la para palestras. “No dia da consciência negra, participei de uma roda de conversa com pessoas mais experientes, que reconheceram meu trabalho, é bem gratificante”.
Autoestima
“A maior dificuldade sendo mulher negra é trabalhar a autoestima”, afirma Afreekassia. De acordo com a jovem, é importante que as mulheres reconheçam sua importância, mas a infância com pouca representatividade traz inseguranças, e conseguir se desvincular e criar uma autoestima positiva é um desafio.
Cássia conta que teve poucas amigas negras por estudar em escola particular e ser a única negra da sala de aula. Para ela, os negros ainda são minoria em lugares que concentram pessoas com rendas mais altas. “Minha luta é importante para que a futura geração não passe pelo que passei, por coisas que a minha mãe passou e que minhas amigas passaram. Que elas se aceitem e saibam seu valor”, destaca.
“O racismo tem diversas formas de oprimir. Não somos referência de beleza e isso acaba com a construção da autoestima e de identidade, porque não temos por onde começar. Não temos referência”, desabafa. Apesar disso, Cássia acredita que acreditar em si é essencial para encarar e lutar contra o racismo.
A jovem quer expandir suas ações em prol do movimento negro. Como mora em Santos, ela sempre participa da organização de festas que reuniam pessoas negras. De acordo com ela, isso é importante para que as pessoas se sintam como parte do grupo e possam trocar experiências.
A Dj afirma ver um cenário de mudanças geracionais em que a comunidade negra está ganhando uma nova cara, com pessoas que não vão desistir de fazer a diferença. “Se sentir acolhida e saber que as pessoas querem e se interessam pelo que você tem para falar, parece simples, mas para o movimento, é extremamente importante”, finaliza.
Fonte: G1