Por Flávia Cirino
Humberto Morais destaca desafios da autoestima e discute a representatividade negra nas novelas e nos palcos.
Na novela “Dona de Mim”, Humberto Morais interpreta Marlon, um lutador de kickboxing e policial que rouba a cena em todos os capítulos. Com um passado marcado por relações turbulentas, o personagem já foi noivo de Leona (Clara Moneke), viveu altos e baixos com Bárbara (Giovana Cordeiro) e, atualmente, mantém um relacionamento com Kami (Giovanna Lancellotti). Ele é, sem dúvida, o grande galã da trama das sete da Globo, escrita por Rosane Svartman.
Contudo, fora da ficção, Humberto Morais, de 31 anos, revela uma realidade bastante diferente. Negro, nascido em São Paulo e formado em artes cênicas, o ator conta que levou mais de duas décadas para se enxergar como um homem bonito. “Demorou 25 anos para eu me achar lindo”, revela.
Mesmo agora, com o sucesso em ascensão, Humberto ainda se mostra tímido ao falar sobre sua aparência. Ao avaliar o apelo de Marlon na novela, prefere destacar outras características. Para ele, o personagem conquista o público por ser determinado, sonhador e corajoso, embora também carregue uma dose de imprudência e arrogância — traços que, segundo o ator, estão ligados à convicção nos próprios valores.
A recente exposição de Marlon, após um vídeo íntimo viralizar na trama, ampliou ainda mais a repercussão do personagem. A cena do banho na academia, que caiu em uma plataforma de conteúdo adulto, transformou o lutador em um dos rostos mais comentados do folhetim.
Apesar da repercussão, Humberto faz questão de destacar o esforço coletivo por trás da novela: “Nós do elenco somos um grande time. Não encaro o ofício como disputa.” Ele reconhece que o sucesso veio de forma surpreendente, principalmente por ter estreado na televisão apenas três anos atrás, como Formiga em “Poliana Moça”, do SBT. “Nunca imaginei que as coisas fossem acontecer tão rápido”, afirma.
Antes de se firmar como ator, tentou caminhos na música e nas artes visuais. Tocava bateria, desenhava, fazia acrobacias e integrou o grupo Amanaje. Foi nos palcos, porém, que percebeu sua verdadeira vocação. “Hoje, parece que tudo que eu vivi me trouxe pra cá, para a interpretação.”
Representatividade, dor e recomeço: o debate negro que Humberto vê crescer
Além do reconhecimento artístico, Humberto Morais tem usado sua visibilidade para levantar discussões profundas sobre identidade racial e o lugar do corpo preto na dramaturgia brasileira. O ator conta que, por muitas vezes, saiu chorando de alegria ao perceber quantas pessoas pretas estavam ao seu redor durante as gravações. “Muito diferente de outros momentos”, diz.
Ao refletir sobre esse cenário, menciona um debate constante entre artistas negros, especialmente do teatro paulistano: como contar histórias negras sem que o sofrimento seja o único foco? Como abordar a dor sem que ela se torne o centro de tudo?
“É uma discussão que está rolando na dramaturgia – que eu conheço, da minha bolhinha, do teatro paulistano negro, do que eu consigo observar.”
Humberto reconhece que não fala por todos. Faz questão de ressaltar que sua visão é apenas um recorte. Isso, para ele, já torna qualquer fala um desafio. “Eu só posso falar do meu recorte, não posso estar amarrado a outras pessoas pretas. Para mim, fica muito difícil falar uma coisa e estar amarrado a alguém. Eu queria poder falar só por mim.”
Mesmo diante dessas dificuldades, ele vê avanços sendo feitos, embora ainda tímidos. Ele acredita que há espaço para transformar a narrativa e construir novos caminhos, menos pautados na dor e mais voltados à multiplicidade da vivência negra. “Essas histórias ainda precisam ser lapidadas. A gente está no momento de criar isso.”
Ao citar situações em que personagens negros ainda são colocados em papéis associados ao crime, Humberto mostra o quanto isso precisa mudar. “A gente vai criar histórias que vão colocar uma pessoa preta em uma circunstância (…) Por exemplo, em um lugar de crime. A gente não queria mais estar.”
Humberto Morais finaliza apontando o valor dos criadores negros nos bastidores da arte. “Dá uma olhada para essas pessoas pretas fazendo teatro, porque elas estão discutindo como contar essas histórias, e aí a parada fica muito legal.”