Documentos comprovam que pressão do Brasil sobre Espanha ajudou na punição contra racismo a Vini Jr
Um ano atrás, como consequência dos ataques racistas sofridos por Vinicius Junior no estádio do Valencia, o embaixador do Brasil na Espanha, Orlando Leite Ribeiro, se reuniu – separadamente – com os três dirigentes esportivos mais poderosos do país: Florentino Pérez, presidente do Real Madrid, Javier Tebas, presidente de La Liga, e Luis Rubiales, que na época ainda mandava na Real Federação Espanhola de Futebol.
O objetivo dos encontros era “compreender a distribuição de competências sancionadoras, disciplinares e administrativas” entre La Liga, RFEF e Real Madrid, para “cobrar responsabilização nos casos contra Vini Jr”. Num telegrama enviado ao Ministério das Relações Exteriores, o embaixador Ribeiro relatou um cenário desanimador após as três reuniões.
– Cumpre reconhecer que meus três interlocutores concordam que os episódios não deveriam ter lugar em nenhum contexto […] No entanto, também é verdade que nem La Liga, nem a Federação e nem o Real Madrid parecem assumir com clareza nenhuma responsabilidade pelo ocorrido. A maior exposição mediática do problema do racismo no futebol espanhol tem evidenciado, pelo contrário, desentendimento, acusações e disputa de poder.
O trecho acima faz parte de uma correspondência enviada pela embaixada brasileira na Espanha ao Ministério das Relações Exteriores, em Brasília, no dia 31 de maio de 2023. O telegrama está numa série de documentos obtidos via Lei de Acesso à Informação pela agência especializada em transparência pública Fiquem Sabendo e repassados ao ge.
Sempre de acordo com os relatos do embaixador Ribeiro, o presidente de LaLiga, Javier Tebas, admitiu ter se equivocado quando acusou Vinicius de “injuriar La Liga”. Tebas também acusou o Ministério Público da Espanha de inação. Já o então presidente da RFEF, Luis Rubiales (que cairia meses mais tarde por beijar uma jogadora da seleção sem consentimento), direcionou suas queixas contra a RFEF. E o presidente do Real Madrid, Florentino Pérez, disparou contra os outros dois cartolas. Assim relatou o diplomata brasileiro:
– Para Pérez, a raiz do problema seria bastante simples: os culpados seriam os árbitros e a RFEF. Os primeiros por serem corruptos, a segunda, por inércia e condescendência. Também criticou o presidente da LaLiga [Tebas], que se aproveitaria da crise para buscar obter mais poder sancionador. Além disso, Florentino Pérez afirmou que Vini Jr é chamado de “mono” porque é o melhor jogador da atualidade, além de ser o que mais recebe faltas na primeira divisão espanhola.
Tal cenário levou o embaixador do Brasil na Espanha a uma conclusão pessimista.
– Infelizmente, em função do terremoto político atual e da aproximação do final do campeonato, o virtual desaparecimento do assunto na mídia espanhola não parece indicar solução célere da questão.
Um ano até a primeira condenação
De fato, a solução não seria célere. Levaria mais de um ano até a Justiça da Espanha condenar três torcedores do Valencia a oito meses de prisão, dois anos de proibição de frequentar estádios de futebol e a escreverem uma carta na qual pedem perdão a Vinicius Junior, ao Real Madrid e a “todos os que tiverem se sentido ofendidos”. Embora tenham sido condenados a prisão, os três torcedores podem cumprir a pena em liberdade – desde que não cometam crime nos próximos três anos.
Ao longo desse período, o Brasil pressionou a Espanha a punir os autores dos crimes racistas contra Vinicius Junior. Além dos dirigentes esportivos, o embaixador brasileiro e seus auxiliares se encontraram com ministros, a presidente da Câmara de Deputados, congressistas de oposição, o Procurador Geral da Espanha e diversas outras autoridades. Os diplomatas brasileiros cobraram punições, discutiram mudanças na lei espanhola – que ainda não tipifica racismo especificamente como crime – e ofereceram ajuda a partir dos exemplos que deram certo no Brasil.
Vinicius Junior já havia sido alvo de crimes raciais na Espanha muito antes daquele 21 de maio de 2023 em Valencia. Tanto que o nome do craque do Real Madrid já havia sido mencionado em reunião em 25 de abril do ano passado entre a ministra da Igualdade Racial do Brasil, Anielle Franco, e a ministra da Igualdade da Espanha, Irene Montero. Mas o episódio no estádio Mestalla atraiu outro tipo de atenção para o problema.
Horas depois do jogo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva saiu em defesa de Vinicius Junior durante uma entrevista coletiva em Hiroshima, no Japão, onde estava para participar de uma reunião do G7.
No dia 26 de maio, em Madri, antes mesmo de encontrar os dirigentes esportivos, o embaixador Orlando Leite Ribeiro se reuniu com o Procurador Geral da Espanha. Alvaro Garcia Ortiz, que “sentiu-se obrigado a dar uma explicação” e prometeu ao seu interlocutor brasileiro.
– Não estamos parados.
– Na ocasião, manifestei minha frustração com o habitual desenlace de processos criminais contra crimes de ódio na Espanha, considerando o episódio de que tem sido vítima Vini Jr – escreveu Orlando Leite Ribeiro em telegrama enviado ao Brasil.
Uma previsão pessimista feita pelo embaixador brasileiro no ano passado se confirmou.
– É provável que, uma vez retomadas as competições da próxima temporada, episódios como aqueles ocorridos contra Vini Jr voltem a ter lugar nos estádios da Espanha.
Fonte: ge