A decisão de Donald Trump de divulgar 240 mil páginas de documentos relacionados ao assassinato de Martin Luther King Jr. em 1968 reabre feridas históricas e levanta questões sobre os reais motivos por trás da medida. Enquanto o presidente americano prometeu, em seu discurso de posse, honrar o legado de MLK trabalhando pela “unidade nacional”, sua administração ignorou os apelos da família do líder civil, que pediu cautela na divulgação. A postura contrasta com a luta do próprio King, que dedicou sua vida à transparência e à justiça, mesmo sob intensa vigilância do FBI, que via nele uma ameaça.
Clayborne Carson, fundador do Instituto Martin Luther King Jr. e guardião de seus arquivos, alerta para o risco de uma liberação seletiva que privilegie a narrativa do governo em vez de fatos concretos. “O FBI monitorava King de perto, inclusive no dia de seu assassinato”, lembra Carson, destacando a hostilidade de J. Edgar Hoover, então diretor da agência, contra o movimento pelos direitos civis. Embora não haja provas diretas de envolvimento do Estado no crime, a desconfiança persiste, alimentada por décadas de segredos e manipulação de informações.
A filha de MLK, Bernice King, reagiu com ceticismo à medida, cobrando a liberação dos arquivos sobre Jeffrey Epstein, caso que envolve elites políticas e financeiras. Sua mensagem nas redes sociais foi clara: transparência não pode ser seletiva nem instrumentalizada. “Opomo-nos a quaisquer ataques ao legado do nosso pai ou a tentativas de usá-lo como arma para disseminar mentiras”, afirmou, em um recado velado à administração Trump, acusada de distorcer narrativas para fins políticos.
O assassinato de King, executado por James Earl Ray em 1968, nunca foi totalmente esclarecido, alimentando teorias sobre conivência ou omissão de autoridades. A luta do ativista por igualdade e justiça social ecoa hoje em movimentos como Black Lives Matter, que também enfrentam resistência institucional. A diferença é que, enquanto MLK foi perseguido por um sistema que o via como inimigo, hoje seus ideais são invocados retoricamente por líderes que, na prática, minam suas conquistas.
A controvérsia em torno dos arquivos reflete um conflito maior: até que ponto o Estado está disposto a encarar seu passado de repressão a vozes dissidentes? Enquanto ativistas exigem verdade e reparação, figuras no poder parecem mais interessadas em controlar a narrativa. A liberação dos documentos, sem contextualização ou compromisso com a justiça, pode servir menos à história e mais a interesses políticos imediatos.
Cinquenta e três anos após seu assassinato, a luta de Martin Luther King Jr. continua — não apenas nas ruas, mas nos arquivos que o poder insiste em manter sob controle. Sua família e aliados sabem que a verdade, quando manipulada, pode ser usada para apagar memórias em vez de preservá-las. E é exatamente contra isso que King dedicou sua vida.