E o dia nacional da consciência negra, virou feriado nacional!

Zulu Araújo

Após mais de 50 anos de luta – o Dia Nacional da Consciência Negra (20 de novembro), é feriado nacional. Uma grande vitória do movimento negro brasileiro que vê assim o dia da morte do seu grande líder, equiparado ao seleto grupo de feriados nacional, onde os feriados religiosos, ocupam lugar de destaque. Isso não é pouca coisa, para um país onde o racismo teima em eliminar física e espiritualmente milhares de descendentes de africanos. Em verdade, Zumbi representa a maioria da população brasileira (56%), assim como, os milhões que foram tragados por dois crimes de lesa humanidade: o tráfico negreiro e a escravidão.  

Essa vitória não poderia ter ocorrido em momento mais significativo da nossa luta, pois estamos numa encruzilhada onde a armadilha do individualismo e das celebridades, tentam substituir o trabalho coletivo e o seu legado. Essa vitória é mais um legado de uma geração que lutou por causas coletivas, por interesses coletivos e não por brilhos pessoais. Esse feriado nacional, é um legado que entrará para a história, como um marco coletivo do combate ao racismo e a promoção da igualdade. Claro que muita gente vai tentar aparecer nessa foto, como pai e mãe dessa criança, e é bom que assim seja, mas isso não vai ofuscar o brilho daqueles que empunharam essa bandeira em tempos duros da ditadura militar.

E nessa celebração, não podemos esquecer do grande companheiro gaúcho Oliveira Silveira (poeta, escritor e professor) que em 1971, em condições absolutamente adversas, deu o primeiro grito de independência do movimento negro contemporâneo. Ele e os companheiros do Grupo Palmares, acreditaram no sonho de uma data livre da subalternidade oficial e criou o Dia Nacional da Consciência Negra, exatamente no dia 20 de novembro, dia da morte de Zumbi dos Palmares.  

Mas, há muito mais gente que contribuiu para essa história, nos últimos 50 anos. Lembro de Januário Garcia e o seu acervo de mais de 100 mil fotos do movimento negro, que ajudou e muito a divulgação da nossa luta, de João Jorge Rodrigues, Presidente do Olodum, hoje da Palmares que colocou o exército do samba reggae (a banda olodum) para cantar e louvar Zumbi, em nome da igualdade. Também não dá para esquecer do jornalista Maurício Pestana (Revista Raça) que fez dos seus cartuns, uma arma poderosa no enfrentamento do racismo e na divulgação do 20 de novembro.

Lembro ainda de Sueli Carneiro, que fez do Gelédes, um espaço pioneiro do reconhecimento da mulher negra como protagonista da luta, de Conceição Evaristo e suas escrevivências revolucionárias, contando a nossa resistência no campo da literatura, de Ruth de Souza, que abriu a duras penas os caminhos na tv brasileira, em momento de racismo explícito na telinha e de Lélia Gonzalez que abriu nossas cabeças para a americafricanidade da luta. E claro, registrar a onipresença de dois grandes ícones desse legado histórico: Solano Trindade e Abdias do Nascimento. Poetas, dramaturgos e militantes da causa da igualdade, cada um a seu modo.

Sei que poderia preencher laudas e laudas com nomes de lideranças importantes que deixaram suas impressões digitais nessa conquista. Mas, os nomes que aqui citei, representam com sobra a maioria dos nossos militantes. Penso que esta conquista coroa uma etapa importante da luta do movimento negro brasileiro e abre os caminhos para novas miradas.

Por fim, inspirado no orixá vivo Gilberto Gil que poeticamente nos afirmou que “a felicidade do negro é uma felicidade guerreira”, espero que façamos no próximo ano, o maior 20 de novembro de todos os tempos, inundando o país de manifestações culturais criativas, rodas de conversas, debates, reflexões críticas, todas elas voltadas por dois objetivos fundamentais: o combate ao racismo e a promoção da igualdade racial em nosso país.

Toca a zabumba que a terra é nossa!

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Mestre em Cultura e Sociedade pela Ufba. Ex-presidente da Fundação Palmares, atualmente é presidente da Fundação Pedro Calmon - Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.

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