Em faculdades de elite, diversidade racial exige ação afirmativa

Receber mais estudantes de baixa renda em faculdades de elite como Harvard e Stanford é uma meta importante, mas não substitui a ação afirmativa baseada em raça.

Um exame atento dos números mostra que o único meio eficaz de se aumentar a diversidade racial nas faculdades de elite é levar em conta o fator raça ao se decidir quem vai ingressar nelas.

A ação afirmativa está sob ataque, com o ingresso em faculdades sendo visto como um jogo de soma zero: o que um grupo ganha, outro perde. Por exemplo: numa ação judicial milionária, a Harvard está sendo acusada de discriminação contra pretendentes asiáticos no processo de admissão. O Departamento de Justiça está investigando acusações semelhantes contra a Yale.

Há propostas para se contornar as controvérsias da ação afirmativa ignorando-se o critério de raça e concentrando-se a atenção em disparidade econômica. Segundo essa argumentação, ao se dar incentivos a estudantes pobres em geral aumenta-se também a diversidade racial.

Mas essa abordagem tão pode substituir a ação afirmativa baseada na raça por uma razão muito simples: a maioria dos pobres é branca. Assim, o incentivo econômico a estudantes de baixa renda beneficiará muito mais estudantes brancos que os negros ou os hispânicos.

Não há dúvidas de que maior diversidade econômica seja um objetivo importante. As faculdades mais seletivas têm mais estudantes do “1% muito rico” que de toda a “metade de baixo” da população constituída pelos mais pobres. Para se ampliar a mobilidade econômica, portanto, faz sentido aumentar o número de estudantes de baixa renda em faculdades seletivas.

Mas, olhando-se melhor, percebe-se que levar mais estudantes pobres para faculdades de elite pouco mudará o perfil racial dessas instituições. Enquanto estudantes negros e hispânicos tendem mais à pobreza que os outros, a maioria de estudantes pobres que tenta entrar em faculdades de elite não é nem de negros nem de hispânicos.

Isso porque estudantes negros e hispânicos são minoria entre os estudantes do ensino médio, e uma minoria ainda menor entre os que tentam entrar nas faculdades altamente seletivas.

O abismo racial e étnico na educação, que começa no ensino básico, tende a ficar maior quando se chega ao segundo grau e à faculdade. Assim, um programa de ação afirmativa para ingresso em faculdades seletivas que tenha por base o critério de pobreza vai facilitar mais o ingresso de estudantes brancos que de negros ou hispânicos.

Nos anos 1990, quando a ação afirmativa estava sendo contestada legalmente no Texas e fora recentemente banida por meio de um referendo na Califórnia, o professor Thomas Kane, da Harvard, resolveu entrar no assunto. Em um estudo, Kane mostrou que apenas um em cada seis estudantes candidatos a ingresso em escolas de elite era negro ou hispânico.

(Fui assistente nessa pesquisa enquanto completava o mestrado em políticas públicas e decidia se partia para o Ph.D. em economia. Trabalhar no tema mostrou-me como o raciocínio econômico e estatístico pode fornecer importantes subsídios e ajudou-me a decidir pelo Ph.D.)

Hoje, o ponto básico do estudo de Kane ainda prevalece: faculdades de elite não podem chegar à diversidade racial e étnica sem considerar diretamente raça e etnicidade no critério de admissão. Não há opções fáceis que dependam de outros critérios, como o da renda.

Embora o tema traga consigo muita polêmica, é importante lembrar que ação afirmativa não é uma questão que afete diretamente a maioria dos universitários, pois a maior parte deles vai para faculdades não tão seletivas. E apenas umas poucas escolas são tão seletivas quanto a Havard.

Uma prática muito mais precupante para o ingresso em faculdades de elite oculta-se sob o rótulo de “preferências hereditárias”, que privilegia familiares de ex-alunos. Esse critério limita a diversidade porque reproduz no presente os corpos estudantis do passado. Cinquenta atrás, faculdades de elite eram esmagadoramente destinadas a brancos e ricos. Como resultado, uma política que favoreça a admissão de filhos de ex-alunos beneficia desproporcionalmente brancos e ricos.

Segundo documentos da Harvard, estudantes de famílias de ex-alunos têm cinco vezes mais possibilidades de ingresso que outros pretendentes. Dos calouros do ano passado, 29% eram parentes de graduados da Harvard. O favorecimento familiar reduz qualquer critério de ingresso para afro-americanos ou outras minorias pouco repreentadas.

As “preferências hereditárias” beneficiam pretendentes que, como grupo, foram privilegiados durante a vida toda. Elas são um reflexo distorcido da ação afirmativa, que ajuda aqueles que conseguem se destacar nos estudos apesar de condições adversas.

As universidades de elite podem vir a ser mais diversificadas por meio da ação afirmativa e do fim das vantagens dadas aos filhos de ex-alunos. Elas poderiam também oferecer mais vagas, recebendo mais estudantes.

Fauldades de elite dispõem de vastos recursos. A Harvard, com uma dotação de US$ 38 bilhões, é uma das mais faculdades sem fins lucrativos mais ricas do mundo (perde apenas para a Fundação Gates).

No entanto, mesmo com esses bilhões, a Harvard pouco tem feito para ampliar a oferta de vagas. Na verdade, a cada ano se torna mais difícil ingressar nela.

Nos últimos 70 anos, a Harvard ampliou sua capacidade em apenas 2.400 vagas. Ela tem 6.700 alunos em 2018, cerca de 50% a mais que os 4.300 de 1948.

No mesmo período, a também altamente seletiva Universidade do Michigan em Ann Arbor dobrou o número de alunos, adicionando 15 mil vagas. A Universidade da Califórnia em Berkeley, uma escola seletiva que compete com a Harvard, cresceu 40% entre 1999 e 2017, aumentando seu quadro de estudantes de 23 mil para 31 mil.

Enquanto a Harvard de outras faculdades da chamada Ivy League (as oito mais tradicionais dos EUA) limitam sua expansão, apesar dos vastos recursos, a competição para entrar nelas cresceu e se tornou mais intensa. Daí as verdadeiras batalhas que se travam e torno da admissão e da ação afirmativa.

Fonte:Estadão

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