Por: Flávia Cirino
Atriz rompe estereótipos com afeto, ética e representatividade
No remake de “Vale Tudo”, Belize Pombal entrega uma atuação que desafia clichês e reafirma a potência de personagens pretas bem construídas. Na pele de Consuelo, a atriz subverte o lugar comum de figuras secundárias e transforma sua personagem em pilar afetivo, político e emocional da trama.
Na primeira versão da novela, exibida em 1988, Consuelo era apenas a tia de Daniela e André. Agora, ela assume a maternidade dos dois e forma com Jarbas uma família sólida, emocionalmente equilibrada e economicamente estável. A reconfiguração da personagem, interpretada com maturidade por Belize, muda a lógica narrativa do núcleo familiar, normalmente atravessado por estigmas quando retrata pessoas negras.
Com 39 anos, a atriz encara o papel como ponto de virada. Sua Consuelo combina autoridade e sensibilidade, sem abrir mão do bom humor. Essa combinação foge da fórmula da mulher preta sacrificada e sofrida. No lugar disso, a novela oferece ao público uma mulher negra retinta que ocupa o centro de sua história com dignidade e autonomia.
A presença de uma família preta funcional em horário nobre representa mais do que uma mudança estética. Significa reposicionar corpos negros longe da dor constante. Segundo a própria atriz, essa representação tem ligação direta com sua trajetória pessoal, marcada por mulheres que enfrentaram desafios sem sucumbir ao sofrimento como identidade.
A nova Consuelo não se anula para cuidar dos filhos, nem carrega tudo sozinha. Divide responsabilidades, propõe diálogo, cobra participação e, ainda assim, mantém o afeto como fio condutor. É essa maternidade compartilhada, pensada pela autora Manuela Dias, que rompe com o imaginário da mulher preta forte apenas pela resistência.
Afeto, humor e ética: a força silenciosa de uma atuação poderosa
Belize Pombal domina os silêncios e os excessos com precisão. Seu trabalho é pautado pela sensibilidade, sem cair na armadilha do exagero. Consuelo, mesmo sem ocupar o centro da trama, virou referência por equilibrar humor, opinião, fofoca e escuta.
A atriz entrega uma mulher de verdade, com falhas, coragem e bom senso. No ambiente de trabalho, Consuelo é ética; em casa, é afetuosa; na vizinhança, é carismática. Tudo isso aparece em camadas, sustentadas por um desempenho que foge da caricatura e apresenta humanidade palpável.
A personagem, que poderia se encaixar no estereótipo da “funcionária engraçada”, ultrapassa esse limite. Torna-se essencial na construção dos núcleos. Consuelo observa, opina e também acolhe. Isso permite que o público a reconheça como espelho e referência.
O sucesso atual de Belize não surpreende quem acompanhou sua atuação anterior em “Justiça 2”, também assinada por Manuela Dias. A autora já havia percebido a capacidade da atriz de transformar pequenas aparições em momentos memoráveis. Por isso, a escalação para o remake de Vale Tudo não foi acidental, mas uma aposta certeira em talento genuíno.
Agora, em horário nobre, a atriz não apenas sustenta o papel, como imprime estilo e conteúdo próprios. A cada cena, amplia os debates sobre representatividade negra, maternidade e afetos possíveis. Sua presença convida o público a enxergar além da estética e mergulhar em outras formas de existir sendo uma mulher preta no Brasil.
Consuelo não ocupa mais o lugar de coadjuvante funcional. Na interpretação de Belize, ela se transforma em base sólida de uma narrativa mais justa, mais diversa e mais real