Entrevista com o deputado Márcio Marinho
Veja trechos da entrevista com o Deputado Federal Márcio Carlos Marinho membro da primeira chapa 100% negra do Brasil
TEXTO: Maurício Pestana | FOTOS: Divulgação | Adaptação web: David Pereira
Bacharel em gestão pública, Márcio Carlos Marinho, Deputado Federal do PRB da Bahia, se destacou nas últimas eleições ao entrar na campanha com uma chapa 100% negra. se não bastasse essa ousadia, Marinho faz parte de um dos quadros da Igreja Universal – uma das denominações neopentecostais conhecida por alguns atritos com religiões de matrizes africanas. a disputa se deu pela prefeitura de salvador, cidade que é conhecida como a capital mais afro do país, com mais 80% de sua população se autodeclarando negra e muitos adeptos do candomblé. Numa eleição que envolveu questões raciais, religiosas, econômicas e sociais, o deputado demonstrou que, não por acaso, chegou ao comando político de seu partido na Bahia, com alianças bem construídas. Nessa entrevista exclusiva à Raça Brasil, o deputado fala dos embates, desafios e avanços que acompanham um dos seguimentos que mais têm crescido na política brasileira: a dos negros evangélicos no espaço de poder.
Veja trechos da entrevista com o Deputado Márcio Marinho
O Brasil vivencia um fenômeno tipicamente norte-americano, onde pastores ganharam notoriedade na carreira política – por exemplo, Martin Luther King, Jesse Jackson entre outros. Quando começa sua atuação na igreja, na política e na questão racial?
Primeiro preciso dizer onde tudo começou: sou do interior do Rio de Janeiro, da cidade de Cabo Frio, região dos lagos, filho do seu Arlindo Carlos Marinho, um pedreiro, e Izabel Rodrigues Marinho, uma dona de casa que depois se tornou faxineira da prefeitura. Vim de família muito pobre, paupérrima, e passamos muitas necessidades. Aos doze anos perdi dois irmãos afogados; e eram justamente os mais velhos, que me ajudavam na manutenção da casa. Devido a esse problema, vivemos uma decadência muito grande: meu pai abandonou o lar e eu, mesmo com pouca idade, tive que ajudar minha mãe a tocar a família. No entanto, por conta disso tudo, acabei tendo essa possibilidade de conhecer a igreja evangélica, onde me acolheram, e a partir dali comecei a ter muita paz e dei início à minha caminhada no evangelho, mudando minha postura e meu pensamento.
Como se desenvolveu o seu pensamento mais político, socialou religioso?
Comecei com esse trabalho de evangelismo e o trabalho social a ele acoplado, e que a igreja faz muito bem de trabalhar com jovens viciados, de trabalhar na distribuição de cestas básicas, de fazer aquela parte que é importante às religiões fazerem e a gente sabe que elas, independentemente do credo, fazem muito bem. Eu fazia isso. Saí do interior do Rio, fui para a capital, e depois para Pernambuco; participei de ação social nos lugares em que tinha havido enchentes… Estávamos lá trabalhando, sempre com foco social. E, por conta disso, acabei chegando em 2001 a Salvador para fazer um programa de televisão na Record cujo o nome era “Coisas da vida”.
O senhor protagonizou a primeira chapa negra – no caso, o senhor e seu vice são negros, disputando a prefeitura da maior cidade negra do país, Salvador. Como foi?
Uma batalha muito grande, pois de um lado havia o candidato do PT, que era o candidato do governador, da presidência da República e do Lula. Tínhamos, também, outro que era neto de uma parte da história da Bahia – Antonio Carlos Magalhaes. De outro lado, um outro senhor que já havia sido prefeito duas vezes, o Mario Quertes, e depois vinha Marcio Marinho. As pessoas falavam assim: “Marcio Marinho não será candidato, porque não tem o apoio da comunidade negra”, isso era latente. “Marcio Marinho não será candidato porque o partido dele é base da presidência, base do governo do estado, tem espaço e não será candidato por conta disso.” E aí eu tinha que estar sempre em todas as entrevistas repetindo e ratificando nossa candidatura. E eu pensava o seguinte: “Eu vou resistir porque o único prefeito que a cidade teve negro não foi votado direto, não passou pela escolha das urnas”, que foi o Professor Dr.Edivaldo Brito, prefeito na década de 70 (durante a ditadura militar). De lá para cá nós não podíamos ter o direito de encabeçar uma chapa majoritária. Imagina uma cidade como Salvador, cuja maioria da população é negra, sem o direito de estar na cabeça de chapa. Então começamos a discutir os problemas da cidade: começamos com vários seguimentos, inclusive do candomblé, do carnaval, dos blocos dos afoxés, das comunidades de bairro, mostrando que nós podíamos enaltecer e engrandecer o debate eleitoral. Muitas pessoas diziam: “uma das dificuldades de votar em Marcio Marinho era porque ele é evangélico”. Sou um negro evangélico, e eu sempre dizia que as coisas que nos unem são maiores que as coisas que nos separam. E entre o que nos une está o fato de que, quando nós chegássemos àquela prefeitura, nós teríamos um olhar demuita sensibilidade.
O que o senhor apontaria como fundamental para alcançar o sucesso?
Sempre digo que devemos estudar, não tem outro caminho; se quisermos ocupar espaços, temos que nos prepararmos. O segundo caminho é que nós, negros, podemos! – Aqui plagiando até o Barack Obama, nós podemos chegar aonde Joaquim Barbosa chegou, nós podemos chegar a onde a presidente Dilma chegou, porque o Brasil está passando por uma mudança – ontem foi um metalúrgico, depois uma mulher e vai chegar a vez de um negro na presidência da República. Nós podemos chegar lá: no governo dos estados, na administração das cidades, nas principais cidades. É por isso que o negro jovem precisa estar preparado, deve estudar e ter ambição, no bom sentido. Eu posso sim ser o prefeito da minha cidade, eu posso sim ser um desembargador, um promotor, eu posso ser um economista renomado. Sim, nós podemos.
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