ESCAMAS PARA FORA DO MAR: DONA DAS ÁGUAS
Reverenciamos-te Iemanjá, por teu simbolismo, pela calmaria, proteção, pela grandeza que és, compreendendo que a pureza do seu habitat reconduz nossa energia.
Os trajes projetados pela designer baiana Cllaudia Soares para a modelo Érika Nascimento nesse ensaio fotográfico, resulta de um processo relacionado com muitas mãos que se uniram para concretizar um sonho. As mãos estendidas pela rainha do mar para nos proteger confluem às outras que coletam, desenham, costuram, bordam e se comunicam através de sinais, no intuito de mudanças nas ações e no pensamento acerca da nossa responsabilidade com o mar e sobre a importância de se perceber enquanto o próprio mar.
Érika Nascimento, a modelo atuante no ensaio é surda, e sua forma de comunicação acontece através da Língua Brasileira de Sinais (Libras). Ela carregava consigo um grande sonho de atuar na área artística e recentemente integrou a Model School, agência de moda que tem desenvolvido diversos trabalhos na Bahia. Ao ser desafiada a vestir uma roupa na categoria Moda Sustentável em um concurso que seria realizado na Casa do Trabalho, em Camaçari – BA, Érika resolveu compartilhar com outros profissionais essa busca da criação/confecção da roupa.
O artista visual e intérprete de Libras, Lucas Alves, a partir da proposta da sustentabilidade, propôs o conceito da roupa, investigando referências como as escamas das mais variadas espécies e diversos elementos que povoam o ambiente sagrado e misterioso do mar, pois a intenção foi fazer uma analogia entre essas camadas que revestem os peixes e os fragmentos de plásticos que são lançados de forma arbitrária e inconsequente em diversos locais, incluindo as praias.
Definido o conceito, o desafio foi lançado para a designer Cllaudia Soares, que sugeriu uma paleta de cores incluindo plásticos em tons degradês de azul, além das cores areia e branco. Como é recorrente em seus processos criativos, Cllaudia, lançou mão de uma campanha nas redes sociais, a fim de coletar materiais com as cores específicas, que vieram a ser doados pelos colaboradores, bem como materiais dos lixos diversos, jogados nas praias do nosso entorno litorâneo, em destaque a praia da Barra, uma das mais visitadas de Salvador – BA.
A intenção da designer Cllaudia Soares é sempre promover a reflexão sobre as consequências graves que assolam o nosso ambiente natural, e como se fazem urgentes as mudanças de comportamento da sociedade no que se refere a forma de descarte do ‘lixo’, por meio da reciclagem de materiais, transformando-os em arte para vestir. Suas criações estão sempre inseridas em diferentes eventos de moda, como desfiles, editoriais, campanhas publicitárias, além de roupas personalizadas para sua clientela.
O ensaio Escamas Para Fora do Mar: Dona das Águas, percorre os sentidos e traz inspiração nos movimentos das mãos numa atitude inquietante e necessária de transformação. Pensando na sustentabilidade ambiental, pois cerca de 90% dos detritos encontrados nos oceanos são compostos por plásticos, lembramos que esse lixo é responsável pela morte de baleias, focas, tartarugas, leões-marinhos, peixes, entre outros seres que habitam os mares.
Aqui nessa metáfora em construção, para a confecção dos trajes conceituais, o material plástico – antes lixo – se torna moda e representa também as escamas de proteção que revestem o corpo, purifica a alma e limpa simbolicamente parte deste elemento que em sua essência é purificador: a água.
Pautado nessas inquietações, o ensaio fotográfico tem como locação o Porto da Barra, na cidade de Salvador, e foi concebido por Lucas Alves, dirigido por Jack Nascimento e modelado por Érika Nascimento. O dia parecia concordar com a ação, a iluminação daquela manhã estava a melhor possível para realizar as imagens. Mais uma vez, muitas mãos se uniam para produzir, capturar a cena e como uma espécie de performance realizada nas águas, Erika se banhava, assim as escamas se movimentavam enquanto ela se direcionava para a areia, onde outros cliques aconteciam.
Ao todo, 5 (cinco) peças fizeram parte das composições, evidenciando a versatilidade e possibilidades de desdobramentos a partir deste processo criativo para que, neste dia 02 de fevereiro, possamos chamar atenção para a quantidade de plástico e material poluente que também é entregue como oferenda na sua festa. Por fim, agradecemos-te, Iemanjá, pelo balanço das ondas, que nos faz desaguar diante da tua beleza e permite compartilhar da plenitude de poder te reverenciar enquanto mãe, rainha, na imensidão das águas.
Texto de Lucas Alves e Cllaudia Soares
Ficha técnica
Designer: Cllaudia Soares
Modelo: Érika Nascimento
Foto/Conceito: Lucas Alves e Jack Nascimento
Make up: Maria Angélica
Locação: Porto da Barra
CAROL BARRETO
Mulher Negra, Feminista e como Designer de Moda Autoral elabora produtos e imagens de moda a partir de reflexões sobre as relações étnico-raciais e de gênero. Professora Adjunta do Bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade – FFCH – UFBA e Doutoranda no Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade – IHAC – UFBA, pesquisa a relação entre Moda e Ativismo Político.
*Este artigo reflete as opiniões do autor. A Revista Raça não se responsabiliza e não pode ser responsabilizada pelos conceitos ou opiniões de nossos colunistas