Ex-funcionária de loja na BA denuncia gerente por racismo após ser chamada de ‘negra cor de disco’

Vítima trabalhou entre 2021 e 2022 em loja de roupas esportivas em Praia do Forte, destino turístico na Bahia. Áudio foi gravado por colega, em setembro deste ano e caso é investigado pela Polícia Civil.

Uma vendedora denunciou a gerente de uma loja de roupas esportivas por racismo em Mata de São João, destino turístico da Bahia que fica na Região Metropolitana de Salvador. A denúncia foi feita depois que um áudio, onde a suspeita faz críticas ao cabelo da vítima, passou a circular nas redes sociais. Na gravação, a mulher caracteriza o cabelo da vítima como “cabelo de negro” que passou “ferro”. 

O g1 entrou em contato com a suspeita do ato racista, mas não teve retorno. Em nota, a loja Track&Field afirmou que realizou uma sindicância interna para apuração do caso e desligou a funcionária que falou sobre o cabelo da ex-colaboradora.

A vendedora Vanessa Santos Ribeiro, de 26 anos, trabalhou entre 2021 e 2022 na loja localizada em Praia do Forte, destino turístico do litoral norte e que recebe diversos turistas. No final do ano passado, ela foi demitida e disse que não recebeu explicações sobre o motivo da demissão. 

O áudio em que a gerente fala sobre o cabelo dela e de outra funcionária, que não teve o nome divulgado, foi gravado em 4 de setembro deste ano, por uma terceira funcionária que não quis se identificar. 

Na conversa, a suspeita cita a ex-funcionária para falar sobre o cabelo dela. 

“Vanessa, por exemplo, ela é negra cor de disco, eu acho que ela alisar o cabelo fica muito artificial, porque ela é ‘negra tifunzinha’. Se ela botasse o cabelo cacheado ficaria bonita, então [liso] força muito, nunca vi negro de cabelo liso”, disse a gerente no áudio.

O áudio

Durante o áudio, a suspeita fala sobre duas pessoas: Vanessa, que não é mais funcionária da loja, e uma outra mulher, que não teve o nome divulgado. Na conversa, fica subentendido que a segunda mulher citada trabalha no estabelecimento. 

A suspeita não gosta do cabelo de nenhuma das duas trabalhadoras. Em relação a Vanessa, que usa o cabelo liso, ela acredita que o procedimento fica artificial; sobre a outra mulher, ela disse que seria melhor reduzir o black power.

“Eu acho que a outra deveria diminuir [o cabelo]. Elas não se tornam bonitas por isso, porque uma deveria assumir menos e a outra assumir mais o que ela é”, disse no áudio.

A funcionária que participa da conversa rebate que o cabelo da outra vendedora, que usa black power, é “desse jeito mesmo” e que acha bonito. Ela ainda explica que nem todos os cabelos de pessoas negras têm cachos definidos. 

A suspeita rebate e pergunta o motivo de Vanessa não “assumir” o cabelo natural. A vendedora explica que muitas pessoas acreditam que é mais fácil cuidar do cabelo alisado.

“Fica artificial, as pessoas estão vendo que é um cabelo de negro de ferro”, afirmou a suspeita.

A vendedora ainda rebateu que não tem problema parecer artificial, porque quando as pessoas pintam o cabelo de loiro, também é possível perceber que a tonalidade não é a verdadeira. Mesmo assim, a suspeita insiste que Vanessa deveria “assumir a cor e o cabelo dela”.

O que diz a vítima

Quando ouviu o áudio gravado pela colega pela primeira vez, Vanessa disse que ficou arrasada. Durante os seus 26 anos de vida, ela afirma que essa foi a primeira vez foi vítima de racismo de forma tão direta.

“Me perguntei se era isso mesmo que estava acontecendo, se era isso mesmo que eu estava ouvindo. Está sendo tudo muito louco para mim, me senti arrasada. Com 26 anos de idade eu nunca passei por isso, então fico até sem palavras”, desabafou. 

Apesar do choque, Vanessa afirma que o racismo velado a acompanhou durante toda a permanência na loja. Ela ouvia comentários racistas vindos da suspeita, mas os classifica como “aleatórios”, porque não eram direcionados para ela e ocorriam de forma desconexa.

O racismo também era direcionado aos clientes negros que entravam no estabelecimento. As falas preconceituosas eram ditas nos bastidores e associavam a cor e condição financeira. 

“Já presenciei também atos racistas lá dentro, com clientes mesmo, mas esses clientes não percebiam. Quando uma pessoa negra entrava na loja, diziam coisas tipo: ‘ah, esse preto aí não vai comprar, não tem dinheiro’. Isso me magoava”, contou.

Após o áudio gravado pela colega, Vanessa refletiu sobre o assunto e decidiu fazer um boletim de ocorrência na Delegacia de Proteção Ambiental de Praia do Forte, distrito da cidade de Mata de São João, na segunda-feira (2). Em nota, a Polícia Civil afirmou que a denúncia é apurada e que a suposta autora já foi intimada a prestar depoimento.

Para processar o trauma, a ex-funcionária da loja disse que também irá procurar um psicólogo.

Nota da Track&Field

“A Track&Field desde que tomou ciência do episódio ocorrido na Loja da Praia do Forte, envolvendo uma de suas funcionárias e uma ex-colaboradora, que já não trabalha na loja há mais de um ano, realizou uma sindicância interna para apuração do fato, que seguiu com o desligamento da funcionária.

Somos uma marca de bem-estar e por isso buscamos promover o melhor ambiente para nossos clientes, colaboradores e parceiros. Este tipo de situação fere os valores da marca que é veemente contra qualquer tipo de discriminação. Com isso, seguiremos prestando o apoio necessário a todas as partes envolvidas e reforçando a importância do respeito às pessoas”.

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