Família denuncia supermercado por constranger jovem negro com acusação de roubo

Coordenação da Prefeitura de Vitória acompanha as vítimas e alerta: “são muitos casos, é preciso denunciar”

A família de um adolescente negro acusado de roubo dentro do supermercado Epa Plus de Santa Lúcia, em Vitória, prepara a judicialização do caso, ocorrido nesse sábado (3). Ela está sendo acompanhada pela Coordenação de Políticas dos Direitos da População Negra da Prefeitura de Vitória, que oferece orientação jurídica.

Na delegacia, a família conseguiu lavrar um Boletim de Ocorrência (BO) logo após o fato. Porém, o documento registra o caso como sendo de “injúria”, o que, na avaliação da Coordenação Municipal, é incorreto. “Deveriam ter registrado ao menos como injúria racial, mas entendemos estarmos diante de um crime de racismo”, pondera a coordenadora, Heloisa Ivone.

A mãe do adolescente, Nayane dos Santos Vila Nova, conta que o marido também busca apoio na Defensoria Pública e que a família vê na judicialização do caso uma forma de encontrar um mínimo conforto e sentimento de justiça diante da violência a que foi submetida.

“Eu sempre fiz minhas compras ali. Meu filho sempre vai também, muitas vezes sozinho. Se tem uma coisa que eu prezo muito com meus filhos, é ensiná-los a nunca pegar nada que não é deles. Foi um constrangimento muito grande, uma humilhação o que aquela segurança fez. É uma coisa que tira a gente do prumo, do chão. Se hoje me perguntarem se eu indico aquele Epa para fazer compras, eu digo que não, nunca”, desabafa. O filho, diz, ainda está abatido e afirma que “nunca mais piso nesse Epa”.

Nayane descreve o que viveram naquele sábado com dor. Ela conta já estava na loja com a sobrinha do marido, quando o filho chegou, acompanhado de uma tia. Ela fazia as compras do mês e estava com carrinho bem cheio, quando percebeu que um pacote de biscoito estava quebrado e pediu para o filho ir na prateleira trocar. Ao ir na mesma direção logo depois, ela percebeu que uma segurança seguia o jovem enquanto falava algo pelo ponto de comunicação interna.

“Quando cheguei perto do meu filho, ela já estava fazendo a abordagem, dizendo que ele tinha colocado um produto dentro do bolso, que estava roubando. Perguntei se ela queria revistá-lo, mas ela disse que não, porque ele já tinha tirado o produto do bolso, que iria puxar as imagens de segurança da loja”.

Enquanto aguardava as imagens, a mãe ligou para o 190 pedindo ajuda, mas foi informada de que a viatura não poderia atender porque o supermercado não havia acionado a polícia e recebeu a orientação de fazer um Boletim de Ocorrência online ou presencial. “Depois de mais um tempo, eu perguntei à segurança sobre as imagens e ela não me respondeu. O gerente chegou e me disse que ela tinha agido de forma errada, pois deveria ter esperado eu terminar a compra e nos levar para uma sala para conversar”, relata.

Foi quando uma viatura da polícia chegou no local e ela contou o ocorrido e disse que estava aguardando as imagens. A orientação policial, diz, foi novamente para o registro de um BO online ou presencial em uma delegacia de Vitória e que não era necessário esperar pelas imagens. “Antes da gente sair da loja, a segurança veio e me pediu desculpas, disse que não tinha conseguido as imagens e pediu para eu ir conversar numa sala. Eu disse que não iria com ela e que iria fazer o BO. Então um outro segurança chegou até mim, disse que tinha visto as imagens e que elas não apontavam nenhum comportamento suspeito do meu filho”.

Para Nayane, a situação sofrida foi uma surpresa que ela nunca imaginou que iria passar. “Foi um constrangimento horrível, o supermercado estava cheio! Meu filho trabalha de segunda a sexta, faz Menor Aprendiz e estuda. Nunca imaginei na minha vida passar por uma humilhação dessas. Meu carrinho estava cheio, estava começando a fazer minhas compras e ela vem dizer que meu filho estava roubando no supermercado!”, roga.

Ela conta ainda que, na delegacia, lhe pediram para informar o nome completo da funcionária, mas que só lhe disseram o primeiro nome, alegando que ela estava no cargo há apenas uma semana. “Me negaram a informação, disse na delegacia. Eles me orientaram a procurar um advogado, porque por ali, iria demorar muito qualquer resultado”.

Na Defensoria Pública, ela conta que o marido foi encaminhado para a Coordenação de Políticas dos Direitos da População Negra, onde o caso tende a tomar os desdobramentos jurídicos devidos. “Aqui nós escutamos o pai, acolhemos a família e orientamos em relação ao crime de racismo institucional cometido pelo supermercado. Não é só a funcionária. A empresa é responsável. É um adolescente negro acusado de roubo indevidamente, sem qualquer prova”, expõe Heloisa, que também coordena o Movimento de Mulheres Negras do Espírito Santo e é vice-presidente da União de Negras e Negros pela Igualdade no Estado (Unegro-ES).

O caso, informa, também vai ser encaminhado ao Conselho Municipal do Negro e, possivelmente, ao Conselho Estadual da Criança e do Adolescente. “Essas demandas de racismo estão chegando com muita frequência e o Conselho Municipal e a Coordenação podem ser essa porta de entrada para fazer a denúncia e receber o apoio para a judicialização”.

“Estão acontecendo muitos casos na cidade, mas nem todos denunciam. Quando a gente vê uma família que tem a coragem de denunciar, é muito importante dar todo o apoio, para incentivar a todas as vítimas a não se calarem”, conclama.

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