Revista Raça Brasil

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Famílias negras relatam feridas do racismo e a luta por justiça

No Brasil, ser negro significa enfrentar riscos diários. Estatísticas mostram que pessoas negras têm quase três vezes mais chances de serem assassinadas. Mas, por trás dos números, existem histórias de vidas interrompidas, de dores profundas e de famílias que resistem.

“Eu já fui preso por engano duas vezes. Uma delas foi quando pedi ajuda após um assalto. O policial achou que eu era o ladrão e me levou”, lembra Matheus Gomes, deputado estadual em Porto Alegre e integrante do movimento negro.

Ele também acompanhou de perto o assassinato de João Alberto Silveira Freitas, morto dentro de uma unidade do Carrefour na capital gaúcha, em 2020. Perseguido, espancado e asfixiado por seguranças, João morreu pedindo socorro. O caso, registrado em vídeo, lembrou ao mundo o assassinato de George Floyd, nos Estados Unidos, e escancarou uma ferida que insiste em se repetir: vidas negras continuam sendo alvo.

“Desde cedo, nossas mães e avós nos ensinam a ter cuidado ao entrar em um supermercado. Não mexer na mochila, não colocar a mão no bolso… é como se precisássemos provar a todo instante que não somos suspeitos”, diz Matheus.

Em São Paulo, os Centros de Referência de Promoção da Igualdade Racial (CRPIR) oferecem apoio jurídico, psicológico e social para vítimas de racismo. Mas, antes de chegar ao atendimento, muitas famílias já viveram dores difíceis de reparar.

Suellen Rodrigues buscou ajuda depois que o filho, de apenas 11 anos, começou a voltar da escola machucado e em silêncio. “Ele apanhava, voltava roxo, mas não falava nada. Sofria calado, como muitas crianças. Eu tive que trocá-lo de escola. Tenho medo de que ele passe pelo que eu mesma vivi.”

A equipe agora trabalha na reconstrução da autoestima do menino. “Queremos que ele entenda que pode estar em qualquer lugar. Sua cor e seu cabelo não o limitam”, explica uma das psicólogas.

O preconceito também fere adultos, especialmente no ambiente de trabalho. Isabela, atendida pelo centro da Sé, contou que começou a entrar em depressão após ser alvo de racismo no emprego. “Existem racismos silenciosos, que corroem por dentro. Aqui encontrei acolhimento e apoio para denunciar. Isso mudou minha vida.”

Na educação, a dor também se repete. O neto de Maria da Conceição abandonou a escola depois de sofrer injúria racial de um funcionário. “Ele ficou agressivo e não acredita mais em escola nenhuma. Acha que todas vão tratá-lo do mesmo jeito”, desabafou a avó.

Apesar das denúncias, a maioria dos casos acaba sem resposta. “Infelizmente, o Judiciário entende que só a palavra da vítima não basta. Sem imagens ou testemunhas, os processos são arquivados. Na prática, a impunidade é regra”, lamenta o advogado Raphael Silva de Carvalho.

O racismo não é um mal-estar passageiro, nem um engano isolado. Ele marca corpos, fere mentes e limita futuros. Mas, diante da violência, famílias, coletivos e instituições seguem resistindo.

A cada denúncia, a cada história contada, se reafirma o óbvio: vidas negras importam.

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