Após três anos de pausa, o Festival Dona Ruth voltou a ocupar os palcos de São Paulo com o que tem de mais potente na arte negra: memória, resistência e beleza. Realizado entre os dias 17 e 26 de outubro, o evento reuniu oito espetáculos gratuitos em diferentes espaços da cidade, trazendo ao público uma programação que uniu teatro, dança e música — e reacendeu a chama da representatividade no cenário cultural brasileiro.
O festival leva o nome de Ruth de Souza (1921–2019), atriz pioneira que se tornou um símbolo de força e inspiração para gerações. Ruth foi a primeira mulher negra a se apresentar no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, em 1945, e construiu uma trajetória marcante no cinema e na televisão. Sua história ecoa o propósito do festival: honrar a ancestralidade e abrir caminhos para novas vozes e corpos no palco.
Mais do que uma programação artística, o Dona Ruth é um ato político e afetivo. Idealizado pela gestora cultural Ellen de Paula e pelo dramaturgo Gabriel Cândido, o festival nasceu em 2019 com a missão de valorizar a produção teatral negra no Brasil. Após um hiato causado pela falta de patrocínio, a edição de 2025 foi viabilizada por meio da Lei de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet) e contou com curadoria de Cândido e da atriz Soraya Martins.
O retorno do evento foi celebrado não apenas pelo público, mas também pela classe artística, que viu no festival um espaço de reencontro com suas próprias histórias. Pela primeira vez, o Dona Ruth contou com atrações internacionais, como o grupo Ritual Cubano Teatro, de Cuba, e a Fundación Afrocolombiana Casa Tumac, da Colômbia — fortalecendo o diálogo entre as produções negras da América Latina e reforçando que a arte preta é global, viva e plural.
Entre as produções nacionais, o destaque ficou para “Herança”, da Cia. Burlantis (BH), com direção de Grace Passô, celebrando os 50 anos de carreira de Maurício Tizumba. Outros espetáculos abordaram temas como ancestralidade, identidade, fé, corporeidade e resistência — lembrando que o teatro negro não apenas entretém, mas educa, emociona e transforma.
Durante dez dias, o Dona Ruth foi mais que um festival: foi um território de memória e pertencimento, onde histórias antes silenciadas puderam ser contadas com orgulho e arte.
Em tempos em que ainda se luta por espaço e representatividade, eventos como este reafirmam o papel essencial do teatro negro como espelho e voz da sociedade brasileira.
A cada edição, o Festival Dona Ruth se torna mais do que um tributo — é uma celebração viva da herança de Ruth de Souza e de todos os artistas que seguem fazendo da arte um instrumento de liberdade.