Festival Internacional de Curtas de São Paulo traz produções que espelham o Brasil e o mundo
Com seu nome indissociável do Festival Internacional de Curtas de São Paulo, Zita Carvalhosa mal consegue conter o próprio espanto – “São 29 anos de festival, já estamos preparando o 30.º!” Só ela sabe das dificuldasdes para chegar a isso – para realizar o festival deste ano –, mas se fosse dodói diria ‘Já passou!’. O 29.º Festival abre-se nesta quarta, 22, numa seção especial para convidados. A partir desta quarta-feira, 23, e até domingo, 2 de setembro, o evento rola em vários espaços, apresentando 323 filmes de 53 países.
Uma volta ao mundo, e Em Busca do Tempo de Agora, tema desse festival que aborda as questões em pauta no Brasil e no mundo. Vamos lá – deslocamentos humanos, mundo digital, negritude, feminismo, identidade, memória e sexualidade. Zita gosta de dizer que nesse tempo todo o festival tem sido o espelho do mundo. “Por ser um formato mais leve e por poder ser feito mais rapidamente, e com poucos recursos, o curta tem, sim, essa capacidade de espelhar a urgência do mundo.” São curtas premiados e outros que você vai querer premiar. E, por favor, não é por ser curta que o formato não atrai os grandes diretores.
Há uma seção muito interessante e que deve atrair numeroso público – A Juventude de Herzog e Wenders, com os primeiros filmes realizados pelos autores alemães. Uma parceria com a Quinzena dos Realizadores traz parte do programa de abertura da conhecida seção de Cannes. Você já parou para ver/ouvir o noticiário de hoje?
Com certeza ocorreram ataques a mulher, a jovens negros. O Festival de Curtas lembra os 70 anos da carta transformadora da sociedade mundial, a Declaração Internacional de Direitos Humanos, que países como o Brasil assinaram, e de certa forma assassinam diariamente, porque não praticam.
“Lembra do impacto que teve O Dia em Que Dorival Encarou a Guarda (curta gaúcho de Jorge Furtado e Zé Pedro Goulart, de 1986) quando apareceu? Aquela maneira de olhar a negritude frente ao poder, a ousadia, a coragem? A gente tem de mostrar de novo, porque as coisas não mudaram”, reflete Zita. E ela ainda tem uma frase lapidar – “Precisamos nos reconectar com o que é importante e urgente hoje, para podermos pensar na construção de um futuro melhor.”
A extensa programação divide-se em três partes – as mostras Internacional, Latino-Americana e Brasileira, com seu panorama do cinema atual; os Programas Especiais, com a tradicional mostra infanto-juvenil e o retorno da sessão terror; e as Atividades Especiais, que incluem debates e workshops.
A Mostra Internacional, com 64 títulos, traz muitos filmes sobre a questão dos deslocamentos – a tragédia dos refugiados –, mas os amantes da literatura gostarão de ver Charles Bukowski lendo seu poema Love para uma plateia de São Francisco em Ele Disse Amor, de Inés Sedan; ou (re)ver Clarice Lispector pouco antes de sua morte, em Copacabana, 1977, em Hiato, de Vivian Ostrovsky.
A Mostra Latina, com 29 títulos, traz o primeiro filme de Honduras a participar do festival, e uma obra importante. Negra Sou, de Laura Bermúdez, revelou para os próprios hondurenhos, por meio das histórias de três mulheres e uma menina, a existência de uma comunidade, os garífunas, formada pela mistura entre índios caraibas e negros escravos.
A Argentina brilha com dois filmes. Em As Flores, recentemente premiado no Bafci, o Festival de Buenos Aires, Inés Efron, a homenageada deste ano do Festival Latino-Americano de São Paulo, participa da história de Ana, que vive reclusa, em silêncio, e agora necessita de um favor. Eva é sobre uma mulher transexual que ajuda crianças numa pequena cidade. Os Programas Brasileiros, com 109 títulos de 128 Estados, incluem a Mostra Brasil, com 53 filmes. Prepare-se para um choque de realidade.