Revista Raça Brasil

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Vinícius Júnior fazendo o gesto do punho cerrado (Foto: Getty images)

Futebol, o mercado silencioso do racismo e a coragem que o expõe

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Lucio Vicente

Formado em Comunicação Social pós-graduado em Gestão de Marketing, especialista em Socioeconomia e MBA em Economia e Gestão do Agronegócio. Diretor geral do Instituto Akatu. Coautor do livro ‘O Encontro com a Sustentabilidade: Contribuições do Psicodrama’.

O recente episódio envolvendo o clube espanhol Valencia CF e o jogador Vinícius Júnior escancara uma das feridas mais antigas do futebol mundial: o racismo estrutural que permeia as arquibancadas, os bastidores e os palcos esportivos. A exigência de retratação feita ao jogador brasileiro, após a citação do clube em um documentário que retrata sua trajetória e a dor de episódios racistas sofridos na Espanha, revela mais sobre o desconforto que o racismo expõe àqueles que preferem silenciar a mudar.

Vivemos uma era em que personalidades públicas são cobradas a ter voz, mas punidas quando a usam para denunciar o racismo. Enquanto atletas permanecem calados, rendendo títulos, contratos e milhões aos clubes, são exaltados, mas basta que denunciem a estrutura perversa que permite o abuso contínuo, para que o sistema reaja com tentativas de silenciamento, negação e retaliação. A trajetória de Vinícius Júnior, um jovem negro de origem periférica, que se tornou um dos principais nomes do Real Madrid e da Seleção Brasileira, incomoda não apenas por sua genialidade em campo, mas por sua postura firme diante da injustiça.

Há uma hipocrisia evidente no fato de que o futebol, um esporte que tem entre seus maiores ídolos nomes como Pelé, Eusébio, Ronaldinho Gaúcho, Didier Drogba, e tantos outros negros, ainda mantenha estruturas comandadas por executivos brancos, em sua maioria homens, que se beneficiam econômica e institucionalmente da imagem e do talento desses atletas — mas se omitem diante de agressões racistas que os atingem. 

Para se ter uma ideia do movimento econômico gerado pelo esporte, dados de um levantamento da Sports Revenue League 2025, divulgados pela agência Two Circles, revelam que em 2024 o faturamento do mercado esportivo foi de U$$ 170 bilhões, superior ao PIB (Produto Interno Bruto) de muitos países.

Outro exemplo de conivência gritante é a Conmebol. Há anos, jogadores e torcedores brasileiros são alvos de ofensas racistas em partidas da Libertadores e da Sul-Americana, muitas vezes em países como Argentina, Chile e Uruguai. Torcedores imitam sons de macaco, gesticulam de forma ofensiva e, em diversas ocasiões, os atletas relatam ter ouvido insultos durante os jogos. A resposta da entidade? Notas protocolares e multas simbólicas que não geram mudança estrutural. Em 2023, segundo levantamento da Observatório da Discriminação Racial no Futebol, mais de 90 episódios de racismo foram registrados em jogos na América do Sul — a maioria sem punição efetiva.

É nesse cenário que o posicionamento de Vinícius Júnior ganha ainda mais relevância. Ao não se calar, ele desafia a lógica perversa de que o sucesso negro deve vir desacompanhado de opinião. Sua luta não é individual: ela representa o grito de tantos outros atletas, torcedores, jornalistas e profissionais do esporte que se veem alvos do mesmo racismo todos os dias. E por isso, seu enfrentamento exige solidariedade coletiva.

Apoiar publicamente figuras negras que se posicionam contra o racismo é um dever ético e civilizatório. Não basta “não ser racista”, é preciso ser antirracista (Ângela Davis) — e isso exige ação, coragem e, principalmente, apoio público de instituições, torcedores, colegas de profissão e imprensa. O que está em jogo não é apenas a dignidade de um jogador, mas a possibilidade de transformarmos um ambiente historicamente permissivo com a violência racial.

A FIFA, a UEFA, a Conmebol, os clubes e as marcas que lucram com o futebol precisam entender que não é possível celebrar os gols e calar diante do preconceito. O futebol forma, representa e educa milhões de pessoas no mundo. Tornar esse espaço mais justo, igualitário e respeitoso é responsabilidade de todos os que o compõem.

A cada denúncia de racismo, o incômodo do sistema é revelado. Mas é justamente esse incômodo que pode impulsionar mudanças reais. Não podemos aceitar que a dor seja censurada, que a memória seja silenciada e que a verdade seja distorcida para proteger instituições racistas.

O caso de Vinícius Júnior é um chamado à ação, pois, além do que já vimos até aqui, a censura exposta no posicionamento do clube espanhol, é mais um indicativo de que o silêncio gera lucro e financia o racismo.

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