Revista Raça Brasil

Compartilhe

Gota d’Água” renasce em Salvador e chega ao Rio com força negra

Uma das tragédias mais potentes do teatro brasileiro, Gota d’Água, ganha uma releitura urgente e necessária pelas mãos da Cia Baiana de Teatro Brasileiro. Com direção de Vinícius Lírio, a montagem transplanta a trama original — escrita por Chico Buarque e Paulo Pontes nos anos 1970 — de uma favela carioca para um conjunto habitacional de Salvador, trazendo à tona novas camadas de significado. O espetáculo estreia no Rio de Janeiro em julho de 2025, no SESC Copacabana, depois de conquistar a cena baiana e circular por festivais nacionais.

No centro da narrativa está Joana, personagem icônica agora vivida pela premiada atriz negra Evana Jeyssan. Sua interpretação agrega densidade política e emocional à história de uma mulher traída, abandonada e consumida por uma revolta que ecoa as dores de tantas outras Joanas reais. A escolha de um Jasão branco (seu ex-companheiro na trama) explicita o racismo estrutural que permeia relações de poder e afeto — uma camada que não estava no texto original, mas que ressoa com força no Brasil de hoje.

O cenário, construído com elementos do cotidiano dos marisqueiros de Salvador — lama, baldes, redes de pesca —, cria uma atmosfera ao mesmo tempo crua e poética. A estética minimalista serve de palco para um teatro físico e intenso, onde dois atores se revezam em cena, sustentando a narrativa com gestos precisos e a potência da palavra. As canções de Chico, como “Gota d’Água” e “Basta um Dia”, ganham novos contornos ao dialogar com temas como violência de gênero, abandono afetivo e a solidão da mulher negra.

A montagem já coleciona indicações em mais de 15 prêmios nacionais, incluindo Melhor Direção e Melhor Espetáculo. Evana Jeyssan levou os troféus de Melhor Atriz no Prêmio Braskem de Teatro e no Cenym de Teatro Nacional, consolidando uma interpretação que redefine o cânone. A versão audiovisual da peça, exibida em festivais como FILTE e Teatro de Cabo a Rabo, ampliou seu alcance, mas é no palco que a força da encenação se revela por completo.

Comprometida com a democratização do acesso, a temporada carioca terá todas as sessões acompanhadas de tradução em Libras. A vinda da peça ao Rio também simboliza um encontro entre duas das cenas teatrais mais vibrantes do país: a baiana, com sua tradição de teatro político e ancestral, e a carioca, marcada por uma dramaturgia de resistência.

Depois de passar por teatros como o Gregório de Mattos e o Martim Gonçalves, além de festivais como FIAC e Trama (MG), Gota d’Água desembarca na capital fluminense não como uma peça sobre o passado, mas como um espelho do presente. Um convite para enxergar, na tragédia de Joana, as gotas que transbordam no cotidiano de milhões de brasileiras.

Publicidade

Open chat
Preciso de Ajuda
Olá 👋
Podemos te ajudar?