Historiador defende cota racial e critica ‘escravidão contemporânea’ e reforma trabalhista
João José Reis pediu reparação à África e lamentou falta do ensino da cultura do continente nas escolas. Ele participou de debate neste sábado (29).
O historiador e escritor João José Reis foi bastante aplaudido neste sábado (29) na 15ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) ao defender o sistema de cotas raciais em universidades, criticar o que ele chamou de “escravidão contemporânea” e discursar contra a Reforma Trabalhista.
Na mesa mais lotada no evento aqui, ele conversou com a escritora Ana Miranda. Quando a mediadora do encontro, Lilia Schwarcz, lembrou um recente discurso de Reis ao receber um prêmio na Academia Brasileira de Letras (ABL), que segundo ela “viralizou”, o autor comentou:
“Isso [cotas em universidade federais] é uma migalha diante da exploração a que foi submetida a África durante o tráfico negreiro. É uma mão se estente ao continente africano, mas é uma coisa quase que ridícula diante do orçamento nacional”.
De acordo com ele, 83% dos alunos da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) são afrodescendentes, número que ele comemorou. Antes já havia ganhado palmas ao condenar quem acha que não é preciso haver “reparação” por causa do tráfico de negros do continente africano no Brasil colônia.
“Ah, dizem que não tem que fazer reparação porque os negros também tiveram culpa. Há que se fazer a reparação mesmo que nunca tivesse tido escravidão. Basta ter a desigualdade.”
Mais tarde, o historiador afirmou que “são cotas, importante dizer, sócio-raciais”. “Porque os brancos pobres também têm acesso”, disse.
Reis comentou ainda sobre “a escravidão contemporânea”, ou como “a nova lei trabalhista permite que certas práticas de trabalho análogo a escravidão retornem”. Disse não se tratar de “uma elocubração minha, mas especialistas estão dizendo”.
“Pode haver uma situação de escravidão volutnária Porque essa reforma trabalhista não foi pactuada com os trabalhadores; foi pactuada com os empresários”, concluiu, sob muitos aplausos.
Neste momento, fora da igreja Matriz de Paraty, onde acontece a programação principal, houve alguns gritos de “Fora, Temer”. Dentro do espaço, parte do público repetiu o protesto.
‘Brasil é ficção gótica’
Ana Miranda é autora de romances históricos e biografias. Falou bastante sobre “ficção x realidade” em sua obra.
A mais mais recente é “Xica da Silva: A cinderela negra” (Record). No fim da mesa, a mediadora repassou aos debatedores qual ficção, a respeito dos dias de hoje, deve prevalecer no futuro. Não dá para dizer que o otimismo prevaleceu nas respostas.
A escritora começou: “A sensação que eu tenho é que a gente tá vivendo um…”. Alguém na plateia gritou: “Pesadelo!”. Ana concordou: “Talvez um romance gótico. O que vai prevalecer é a ficção gótica”.
O colega de debate foi na mesma linha e lembrou da morte de quilombolas na Bahia e “massacre aos índios, aos trabalhadores sem terra, populações que estão nas margens mídia”. “É o que nós estamos vivendo aí, está muito bem documentado. E é isso que vai ficar para os historiadores do futuro: a documentação deste pesadelo que estamos vivendo hoje”.