Homens deveriam romper com as barreiras do machismo para serem pais?

Durante a pandemia o número de divórcios cresceu no país. Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019 foram registradas 80.843 escrituras de divórcio. No ano seguinte, 81.311 e em 2021, no auge da pandemia de Covid-19, 86.967 certidões foram lavradas. 

Não se sabe o quanto desses casais têm filhos e filhas, mas me chamou a atenção o dado e a possibilidade de muitos dos ex-casais terem filhos e filhas e terem optado por guarda compartilhada. 

A guarda compartilhada é aquela que determinada sob a força da LEI Nº 13.058, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2014, que o ex-casal, de forma equilibrada, possa dividir o tempo de convívio, criação, responsabilidade com os/as filhos e filhas, considerando as necessidades, condições e interesses dos menores. Isso significa, por exemplo, que eles devem decidir juntos que escola a criança vai estudar, quando levar ao serviço médico, que tipo de alimentação será fornecida, que roupas usar, que horas dormir e uma série de outras atribuições cotidianas, além do amor, carinho, afeto e tudo mais que completa a relação entre pais, mães, responsáveis e as crianças e adolescentes, e uma relação familiar. 

Ainda que a legislação seja recente, nos casos de divórcio com filhos menores de idade, a orientação é que a guarda seja compartilhada, exceto se não houver condições para isso ou se um dos responsáveis abdicar dessa responsabilidade. 

O problema é que, na prática, essa situação tem se mostrado cheia de desafios para os ex-casais e especialmente para as crianças e adolescentes. Não canso de ouvir relatos de que, no dia a dia, as mães assumem por completo a responsabilidade na criação das crianças, ao menos para os ex-casais heteronormativos. 

São elas que geralmente levam para escola, acompanham o dia a dia, definem as atividades extracurriculares, de esporte, lazer, cultura. Ficam responsáveis por alimentar, vestir e tudo mais. Dos pais, o que se escuta com frequência são reclamações sobre o valor da “pensão”. 

Óbvio que isso não é uma regra e que muitos pais assumem por completo ou estão buscando novas formas de realmente exercer esse direito na responsabilidade, cuidado, criação e atenção com seus filhos e filhas. Mas se ainda nos espantamos positivamente quando vemos um homem sozinho carregando um bebê ou levando uma criança pequena no colo para algum lugar, significa que a cena ainda é incomum. 

Então, me veio à cabeça a pergunta: é preciso estar casado para ser pai? A resposta mais simples seria, não. Então a preocupação inicial deste texto acaba de cair, porque pais, mães e responsáveis podem ter papéis distintos independente de onde estão na relação familiar. 

A questão central, talvez seja: que tipo de pais, os homens, geralmente são, inclusive quando estão casados e vivendo cotidianamente com seus filhos e filhas? Eles assumem essas funções? Cozinham para seus filhos? Dão banho? Levam na escola? Dão amor, carinho e orientação? 

O machismo, as relações desiguais de gênero não só afetam as mulheres que ficam mais sobrecarregadas e assumem quase que por completo a criação dos filhos e filhas, mesmo quando casadas, mas aprisiona os homens (estou aqui falando de relações heteroafetivas), que enfrentam dificuldade em romper com o status quo e buscar novas formas de paternidade, deixando por vezes a oportunidade de estar mais próximos de seus filhos e filhas e compartilhar com eles a vida.  

Rachel Quintiliano é jornalista, pós-graduada em comunicação e saúde, defensora dos direitos humanos e promotora da equidade de gênero e raça. Escreve sobre identidade, autoestima, livros, filmes e séries. Co-organizou, recentemente, o livro “Caminhos possíveis para equidade racial”.

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Jornalista com experiência em gestão, relações públicas e promoção da equidade de gênero e raça. Trabalhou na imprensa, governo, sociedade civil, iniciativa privada e organismos internacionais. Está a frente do canal "Negra Percepção" no YouTube e é autora do livro 'Negra percepção: sobre mim e nós na pandemia'.

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