A prisão passou a ser usada pelo governo do apartheid da África do Sul a partir de 1961 para o cumprimento de pena dos militantes antirracistas.
O mais famoso era Nelson Mandela.
Era prisão de segurança máxima.
O preso 885/63, Indres Elatchininathan Naidoo, nascido em 26 de agosto de 1936 e em 1961, ingressa no Partido Comunista Sul-Africano.
Mesmo ano do ingresso dele, também, no Umkhonto we Sizwe (MK – Lança da Nação), ala militar do Congresso Nacional Africano (CNA), surgida depois da tomada de consciência de que a luta puramente pacífica já não era suficiente.
Esse convencimento nasce depois do massacre de Sharpeville, em 1960, quando a polícia matou 69 manifestantes e feriu ao menos 180 negros sul-africanos. Maioria, mulheres e crianças.
Mais de 20 mil pessoas protestavam contra a chamada Lei do Passe, a obrigar todos os não-brancos a portarem uma caderneta com a cor, etnia, profissão, situação na receita federal, e ainda restringia o acesso aos bairros brancos da cidade. A polícia atirou contra essa multidão.
Muito jovem, Naidoo trabalha como escriturário, e cedo se torna chefe da família após a morte do pai, Narainsamy Thambi Naidoo, importante militante antirracista, em 1953.
Quem sai aos seus não degenera, inicia militância como membro ativo do Congresso da Juventude Indiana do Transvaal, e chega a ser secretário já em 1953, com 17 anos.
É uma introdução para aconselhar, nem sei se tenho autoridade para tanto, a leitura de “A Ilha agrilhoada : 10 anos na Ilha de Robben contados pelo preso 885/63”, escrito pelo próprio Indres Naidoo e pelo advogado Albie Sachs, também um combatente da luta antirracista, edição de 1982, passados, portanto, 43 anos.
Banido da África do Sul após os 10 anos passados na prisão, os dois, trabalhando à noite e nos fins de semana, produzem um documento essencial da luta antirracista, vista pelos olhos de quem passou pelos tormentos da terrível prisão sem jamais deixar de pensar e lutar pela libertação da África do Sul do cruel regime do apartheid.
É um livro histórico e comovente. Busquem-no.
Ganhei do reitor da Universidade Federal da Bahia, Paulo Miguez, militante íntimo de África, tendo passado onze anos contribuindo com a Revolução Moçambicana.
Bastaria a abertura do livro para emocionar o leitor, quando é contada, de modo cinematográfico, a ação frustrada de explosão de um galpão de ferramentas ferroviárias, na noite de 17 de abril de 1963.
Correm quando percebem a queda da ação, a chegada da polícia, e de súbito tudo iluminou-se, e eles cercados por uns 30 policiais armados até os dentes, gritando para eles levantarem as mãos, e assim fizeram. Indres ouve um tiro, e só percebe ter sido atingido quando olhou para baixo e viu o sangue descendo, o braço direito atingido.
A Ilha de Robben, aquela prisão, era o terror. Vi, como preso, muita coisa. A fase inicial da tortura, se você não morresse, e muitos dos nossos morreram, mais do que o contabilizado até hoje, era terror absoluto.
Depois, no entanto, vivíamos os rigores da cadeia, mas nunca como Robben. Como lá, fomos obrigados a fazer greves de fome para garantir alguns direitos essenciais. Mas, nada comparável àquela prisão.
Os racistas do apartheid pretendiam esmagar os militantes antirracistas. Se não os matasse, destruí-los por dentro. Tentar isso.
Surpreendente possa o preso 885/63, Indres Naidoo, depois de 10 anos, seguir adiante, prosseguir na luta, se exilar em 1977, servir ao Congresso Nacional Africano em Moçambique e na República Democrática Alemã, e depois retornar à África do Sul em 1991. Senador em 1994, com a vitória de Mandela, condição da qual só saiu em 1999.
Esse livro, esse exemplo, as tantas pessoas capazes de suportar sofrimentos incríveis, só evidencia a força dos ideais antirracistas, a capacidade do povo de enfrentar o nazifascismo, e o apartheid não era outra coisa senão uma espécie de nazifascismo, confrontar regimes ditatoriais.
A luta pela liberdade não recua diante do terror.
A luta antirracista, ontem como hoje, é parte essencial da caminhada da humanidade para a emancipação, para a convivência fraterna entre todos os seres humanos.