Por Bruno Deusdará
Supervisão: Rachel Quintiliano
Enquanto a Lei Áurea era celebrada como “generosidade” da princesa Isabel em 1888, jornais negros como A Voz da Raça (1933) denunciavam a farsa que os termos da abolição criaram: “Sem terra, trabalho ou reparação, fomos lançados à própria sorte”, escreviam. Essa imprensa, que floresceu entre o fim do século XIX e início do XX, não apenas noticiava – era arma política. Como afirma Petrônio Domingues, historiador entrevistado para esta reportagem, “eles reivindicavam igualdade racial, mas também construíam identidade”.
Da Margem ao Centro: Como Operavam
Com tiragens modestas – entre 1.000 e 4.000 exemplares –, veículos como O Clarim da Alvorada (1924) e O Getulino (1923) circulavam em associações negras, bailes e até bibliotecas públicas. “O ideal prevalecia sobre o lucro”, explica Domingues. A distribuição era artesanal: vendidos nas casas dos editores ou distribuídos gratuitamente.
Os temas variavam de eventos culturais a denúncias de linchamentos, sempre com um projeto claro:
- Educação como caminho para ascensão social;
- União da comunidade como estratégia política (a palavra era “cantilena”, reforça Domingues);
- Autoestima através da valorização da cultura negra.
O Estado sabia?
Não há registros de reação oficial, mas a sociedade civil interagia. Jornais operários e até da “grande imprensa” mencionavam a imprensa negra – ainda que como curiosidade. “Eram lidos por advogados, professores e jornalistas, negros e brancos”, destaca o pesquisador. A maior interação era com veículos de informação do trabalhador, como jornais dos sindicatos.
Legado que Resistiu
Se O Clarim da Alvorada chegou a Moçambique no século XX, hoje veículos como a Raça amplificam a luta nas redes sociais. Mas, como alerta Domingues, “não basta criar disciplinas isoladas sobre a imprensa negra nas universidades – é preciso inseri-la na História da Imprensa Brasileira”. Afinal, como escreveu José Correia Leite, fundador d’O Clarim: “Não tínhamos dinheiro, mas tínhamos a voz”.
A imprensa negra é um símbolo da luta por igualdade racial e por direitos no Brasil. Os predecessores da Revista Raça, há mais de um século, já travavam esta batalha para se expressarem politicamente e noticiar os fatos de uma ótica que a Grande Imprensa ou a mídia hegemônica simplesmente não poderia ter: a ótica negra. Hoje, 13 de maio de 2025, completamos 137 anos desde que a escravidão foi abolida no Brasil. E a Raça, como parte da imprensa negra, segue lutando.
Créditos: Reportagem baseada em entrevista com Petrônio Domingues (autor de A Nova Abolição) e pesquisas nos acervos da USP e IBICT. Imagens: Capas históricas de A Voz da Raça (Acervo Digital USP).