Inês Coimbra: São Paulo tem mulher negra na instância máxima da justiça

Doutora Inês Maria Coimbra, mais que a primeira mulher negra a ocupar o cargo de Procuradora-Geral do estado de São Paulo, ela entra para a história também por ser a primeira pessoa independente de cor, raça ou gênero a ser reconduzida ao cargo por um novo governador, algo nunca ocorrido antes nos mais de setenta anos da instituição, mas quem é essa mulher negra tão poderosa? Você vai começar a saber agora nesta entrevista exclusiva da Revista RAÇA. 

Para a Senhora quem é Inês Coimbra? A primeira procuradora chefe negra do Estado de São Paulo. 

Sou mineira de Belo Horizonte, morei em Minas Gerais até o início de minha adolescência, mudei posteriormente com minha família para o Espírito Santo. Recordo- me que eu não sabia em qual carreira seguir e tive influência de minha tia Vera, que era uma das pessoas mais importantes de minha vida. Eu sou filha de mãe solo e meu pai faleceu muito jovem ainda. E por conta das circunstâncias eu sempre tive mulheres fortes na minha história, e essa minha tia me aconselhou a estudar Direito. Ingressei na faculdade de Direito e me formei. Recém-formada, me mudei para a cidade de São Paulo em busca de novas oportunidades e passei no concurso da procuradoria e dei início à minha carreira na zona Leste de São Paulo, que foi uma experiência transformadora e formadora de eu ser quem eu sou hoje. A experiência da assistência judiciária me moldou quem eu sou hoje como profissional. Passado este período, foi criada a Defensoria Pública, passei a atuar efetivamente na área mais específica da procuradoria, trabalhei na área de mobiliário na regularização fundiária. 

Como é isso? E quais áreas a senhora também trabalhou?

 Bom, a regularização fundiária, foi uma experiência bastante interessante. Uma das questões que se trata nessa área é a regularização de terras quilombolas. Eu trabalhei na consultoria jurídica da secretaria da habitação, da saúde e, depois da habitação, na secretaria da habitação, na consultoria jurídica da secretaria de habitação. Participei de um projeto privado de uma parceria de moradia popular, para um projeto bastante impactante, que resultou na construção de várias unidades habitacionais na região da Luz, próxima à cracolândia, que foi uma experiência que me fez garantir aquela estruturação jurídica, segura . A gente precisou mergulhar um pouco na política pública mesmo, entender um pouco do impacto. 

Um procurador tem que defender o Estado, mas em áreas sensíveis como as sociais, onde há um grande déficit para a população mais humilde, é difícil, não? Quando fui secretário na cidade questionava bastante isso com meu procurador. Como a senhora faz?

Dá trabalho, você conhece bem porque esteve lá. A procuradoria é uma instituição de estado que tem como função, além de defender o Estado em juízo, ou seja representar o estado em todas as ações em que o estado é parte, seja autor ou réu. A procuradoria também é responsável por garantir a estruturação jurídica segura das políticas públicas, então há uma participação muito ativa dos procuradores do estado na construção das políticas públicas, no viés da segurança jurídica e não das escolhas. Então, sua atuação na construção de políticas públicas no apoio a essa construção, ela se dá para implementar o plano de governo do governante democraticamente eleito. É claro que é uma atuação técnica. 

Então é uma atuação puramente técnica? 

Nossa atuação é técnica nesse aspecto, nós não fazemos escolhas políticas ou escolhas de gestão neste aspecto. É claro que temos e podemos ter nossas opiniões, podemos ter nossas impressões. Mas acaba que no dia a dia há uma troca importante, pode haver contribuições para podermos fazer esse trabalho de estruturação jurídica dos temas, acabamos por ter que mergulhar um pouco na política pública, entender um pouco daquilo, eu acredito que essa é uma linha que precisa ser respeitada e acho que o olhar social ele vem também, porque há muitas imposições legais a esse respeito. 

Infelizmente o Estado ainda sofre com o racismo institucinal e que acaba dificultando por exemplo a ingressão de negros e mais necessitados em editais. Como a senhora vê isso? 

Quando eu cheguei em São Paulo fiz a toda a minha formação acadêmica superior, minha pós-graduação, mestrado, na PUC de São Paulo, o que me chamou muita atenção primeiramente é que haviam negros, nenhum! E quando eu entrei na procuradoria tão pouco. E não existe até hoje, são bem poucos. O sistema de justiça é odo constituído assim, de uma maneira hegemônico branco e masculino. É disso que é feito o sistema de justiça majoritariamente. E já de algum tempo que tem bastante gente conversando sobre isso e pensando sobre isso. Alguns movimentos em outras instituições que compõe o sistema de justiça por exemplo o CNJ já estão pensando nisto para magistratura, o ministério publico também já está pensando nisso em fim, E na advocacia pública eu não achava muito este fórum de discussão dentro da advocacia, as dificuldades até no cadastro, registros, os RHs não tinham esses dados. 

E como foi se deparar com essa realidade? 

Eu queria assumir a procuradoria-geral e queria fazer uma transparência ativa disso. E era difícil até pelos nossos, cadastro. Pensando como esse incômodo que na minha percepção que eu tenho dito me parece que a diversidade, traz para a instituição e amplia para a instituição a sua capacidade de criatividade e de conseguir lidar com os problemas de uma maneira mais eficiente, então, hoje temos uma sociedade muito mais complexa, que exige serviços públicos muito mais complexos, portanto uma sociedade muito heterogênea em sua formação racial, sua formação de gênero. Então como é que um grupo hegemônico vai conseguir dar respostas a contento por uma sociedade tão heterogênea? Como vamos conseguir que um grupo de carecas fale sobre pente? (risos) E tem experiências, vivências, formas de pensar que se você não passou por aquilo, é muito difícil você se apropriar daquilo bom, então neste que intuitivamente você olha e fala eu não estou vendo ninguém a gente começou a pensar e muitos movimentos em várias procuradorias nacionais começando a pensar especialmente a questão de gênero, que em minha opinião é uma questão que já esta mais assimilada, as pessoas já entendem mais. 

Fale um pouco do Forum e da pesquisa realizada entre os procuradores de justiça? 

Um pouco neste contexto que te contei e do encomodo que tinha e via que outros também tinham eu propus que nós criassemos um Fórum de equidade. E para começo de conversa a gente precisava saber quem somos. Quem somos nós advocacia pública? Do que somos feitos? Enfim o que nos constitui? Porque essas instituições são feitas de pessoas eminentemente. Esse fórum buscou representantes de cada um dos estados e eles fizeram um trabalho primoroso com as dificuldades e os desafios que existiam, dado ao ineditismo da coisa, nunca foi feito isso antes. É o primeiro desenho que a gente tem de diagnóstico buscando marcadores como gênero, raça, questões LGBTQI+ etnia e pessoas com deficiência e de vários dados, por exemplo, a questão de gênero é uma questão que há uma certa equiparação ainda com problemas para alcançar posições de liderança, mas em termo de constituição tpor exemplo em numeros são 54% de homens e 43% de mulheres tem ai uma diferença. Embora a população de mulheres seja menor, mas temos ali representação no direito, adentrando nas universidade stem uma série de coisas, agora a questão de raça é assustador, não que surpreenda, mas é assustadora. 

Assustador como?

 81% de pessoas se autodeclaram brancos um país que nós negros somos 56% da população então assim a disparidade é imensa tem alguma coisa muito errada nisso e é isso nós estamos então apoiando a construção de políticas públicas para uma população majoritariamente negra estamos litigando em ações enfim que tratam de conflitos muitas vezes sociais de uma população majoritariamente negra e somos 80% brancos e a partir desse diagnóstico que foi apresentado agora no inicio de dezembro então acabou de acontecer então os próximos passos são de olhar para aquilo e ver o que nós podemos fazer então, por exemplo, a procuradoria de São Paulo ela nunca teve cotas nos seus concursos. A procuradoria do estado de São Paulo nunca teve cotas no seu concurso, à gente tem um concurso autorizado agora e vai ser a primeira vez que haverá cotas eu assinei no inicio de dezembro, que dá toda a estruturação jurídica para isso. Mas assim são políticas afirmativas sobre as quais a gente precisa pensar para mudar um pouco essa tonalidade das pessoas que estão construindo isso e nem o qual a gente não consegue mudar e não adianta a gente falar das outras estruturas de poder.

E o que fazer para mudar esse quadro de coisas? 

Eu acho que se a gente ampliar a base de pessoas negras que possam acessar esses lugares, a gente já vai já melhorar um pouco, começa a pressionar um pouco e há uma questão que me parece muito clara assim, que é a importância que se dá para isso, o quanto realmente se quer transformar? Porque já disse isso outras vezes eu não acho que seja um problema histórico muito arraigado que nos constituem estruturalmente mesmo e que não vai ter uma mudança orgânica. “Vamos esperar que sozinha a coisa se resolva” não vai acontecer. Então se não houver força para que alguma transformação aconteça ela não vai acontecer. 

Foi um ganho muito grande para todos nós quando a senhora foi indicada para ser a procuradora geral do estado, uma mulher negra eu me lembro que a gente noticiou na Revista Raça em nossas redes, aliás foi uma movimentação muito grande à época e a gente ficou muito feliz porque finalmente são mais de setenta anos dessa instituição e pela primeira vez a instituição teria a frente uma mulher negra e a senhora foi reconduzida ao cargo pelo governador Tarcísio? 

É nunca tinha acontecido na PGR uma troca de governo com recondução do procurador geral, o governador é uma pessoa que buscava perfis muito técnicos para aquilo que ele queria ir para a procuradoria especialmente, um porque a nossa situação é eminentemente técnica e ele buscava perfis que fossem muito técnicos, eu não o conhecia, nós não, enfim, tínhamos nenhuma relação, mas quando nós tivemos a primeira conversa e as nossas conversas esse assunto veio à tona, nós conversamos bastante sobre o papel da procuradoria e um pouco quais eram as quais eram as dores e os projetos e, mas eu também conversei com ele sobre isso e falei com ele: Olha o governador a questão da equidade racial e equidade de gênero é uma questão importante e eu acho que é importante vocalizar esse respeito nesses espaços. E ele foi especialmente sensível e aberto para esse tema e tem sido desde então numa perspectiva de que quando a gente fala de equidade racial a gente não está falando de uma questão partidária, de uma questão ideológica, mas de como que nós fazemos para diminuir injustiças que são e que estão aí que estão mais do que demonstradas que afetam a população, então sim me parece que nesse aspecto que era uma questão para mim na primeira conversa, ele foi muito

Como última pergunta. Nós temos um público bastante jovem e um público muito grande feminino, acho que mais de 70% são de mulheres, que recado que a senhora daria para essas meninas que querem chegar a esse patamar de ser uma procuradora chefe como se fala dentro do sistema do estado de São Paulo. Que caminho elas têm que fazer, o que elas têm que batalhar para chegar a essa posição que a senhora ocupa hoje? 

Não se chega a lugar nenhum sem muito trabalho, sem muito estudo, é um fato, mas o que eu diria e eu acho que isso não é novidade para ninguém, mas o que eu diria é: não desistam, não se deixem definir, tomem a rédea da sua vida, não permitam que os outros digam quem vocês são. Sim, a gente precisa ser protagonista da nossa história e isso muitas vezes exige tomar posição, exige levantar a cabeça, informem-se, apropriem-se das suas raízes, da sua negritude, orgulhem-se disso e andem de cabeça erguida. Tem espaço e haverá espaço, tem muita gente abrindo espaço. A gente precisa é uma corrida de bastão, a gente só não pode desistir!

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