Iyagunã Dalzira conta sua luta contra o racismo

Veja a entrevista com a estudiosa da religiosidade Iyagunã Dalzira e conheça sua luta contra o racismo

 

TEXTO: Maurício Pestana | FOTOS: Socorro Araújo | Adaptação web: David Pereira

Iyagunã Dalzira | FOTO: Socorro Araújo

Iyagunã Dalzira | FOTO: Socorro Araújo

, como é carinhosamente chamada, iniciou os estudos tardiamente, aos 49 anos, cursou superior em Relações Internacionais aos 63 e hoje, aos 72, acaba de defender seu mestrado: “Templo religioso, natureza e os avanços tecnológicos: os saberes do candomblé na contemporaneidade”, pelo Programa de Pós-Graduação em Tecnologia da Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Sua força de vontade permitiu que pudesse realizar o grande sonho, mas, antes disso, ela cuidou e educou os oito sobrinhos que adotou da família da irmã, barbaramente assassinada. Só após a ida de todos à universidade, Yá se dedicou aos estudos. A história desta heroína, que seguramente daria um filme, foi apresentada em detalhes na entrevista para a Raça Brasil. Confira:

Uma das coisas que chama a atenção na sua história é o contato com a educação. Como e quando foi alfabetizada?

Fui alfabetizada aos treze anos pelo meu pai, depois de tanto eu perturbar, de tanto brigar e pedir. Apesar de me ensinar, ele sempre foi contrário, dizia que mulher não precisava estudar, porque era o marido quem deveria sustentar a casa. A gente cresceu ouvindo isso. Mas eu sempre quis aprender, desde pequena eu queria ler as coisas. Meu pai comprou uma cartilha, e quando a gente chegava da roça ia estudar. Depois eu tive um manuscrito, sei ler muito bem por conta dele.

Como o candomblé surgiu na sua vida? 

A religião já vem com a gente, só que o tempo todo a gente foge. Eu via imagens e falava para minha mãe, mas ela sempre desconversava. Eu via um homem de pé, morria de medo, chorava e chamava a minha mãe. Ela vinha em minha direção, passava por ele e não o via, então, pra não tomar bronca, eu falava que estava com dor de ouvido ou qualquer outra coisa. Ninguém entendia ou me explicava nada, ninguém via aquele homem e parecia que eu imaginava tudo aquilo. O tempo foi passando, até que, já na fase adulta, eu tinha apenas pesadelos.Enfim, minha mãe deve ter feito alguma reza para acalmar.

Qual foi a maior dificuldade da sua caminhada religiosa até aqui, Dalzira?

Temos uma liberdade vigiada. Eu tenho o alvará aqui do terreiro, mas tenho que preencher os requisitos. Quais são os requisitos? Nunca voltei à prefeitura para saber, mas está lá, qualquer queixa e eles cassam o alvará. Tem que registrar na Receita Federal. Fora isso, existem agressões, apedrejam o terreiro, quebram telhas, é bem difícil. A falta de espaço também incomoda, a urbanização vai inchando a cidade e os terreiros perdem ainda mais espaço. Podemos dizer que sofremos pressão de todos os lados, do vizinho ao sistema vigente na sociedade.

Gosto muito de escrever, mas uma coisa é escrever textos tradicionais, outra é ter validade científica no que está sendo dito | FOTO: Socorro Araújo

Gosto muito de escrever, mas uma coisa é escrever textos tradicionais, outra é ter validade científica no que está sendo dito | FOTO: Socorro Araújo

Fale sobre os estudos. A senhora acabou de fazer mestrado, não é?

Com 47 anos ingressei no EJA (Educação de Jovens e Adultos), levei uns dois anos e meio para concluir. Depois de um tempo sem estudar, minha filha me incentivou a fazer faculdade, assim como ela estava fazendo. Fui conhecer e achei o curso de Relações Internacionais interessante, porque certamente traria conhecimento sobre a história da América latina, que me interessava muito. Fiz um financiamento para pagar metade do curso, a outra metade seria paga depois que eu me formasse, mas com as desistências, surgiu a oportunidade de ir estudar à noite, com as mensalidades futuras abonadas, e foi o que eu fiz. Me formei em 2008. Gosto muito de escrever, mas uma coisa é escrever textos tradicionais, outra é ter validade científica no que está sendo dito. Fui fazer mestrado pensando nisto, queria um estudo de valor científico. Foi difícil, porque eu não tinha bagagem para um mestrado. Um grande desafio realizado!

Como é a sua participação no movimento negro paranaense? Como a senhora vê a situação do negro no sul do país?

A gente está fazendo um esforço muito grande para que comecem a contar a nossa história nas escolas, no Brasil e no Paraná. Eu comecei com uma ansiedade muito grande em resolver questões, na adolescência já enfrentava muita dificuldade porque no interior o racismo é diferenciado, ele é falado, mostrado e sistematizado. Quando eu cheguei ao Paraná, em 1979, estava na igreja, era uma católica praticante, assim como a maior parte da minha família. Dentro da igreja tinha uma ex-freira chamada Conceição Felipe, ela me chamou para participar de um grupo do movimento negro que estavam formando na igreja, em plena ditadura. Aceitei, mas nas reuniões não podíamos ter mais que cinco pessoas, pois a polícia vigiava todo mundo. Mais de cinco pessoas era considerado motim contra o governo. E ali começou, na igreja, o único lugar que podíamos nos reunir.

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