Joana D’Arc, uma história de amor à química e às suas origens
Conhecimento. É essa a palavra que move e incentiva a professora doutora Joana D’Arc Félix de Sousa. Aos 54 anos, essa paulistana de Franca, no interior de São Paulo, teve todos os motivos para desistir. Mas, em momento algum de sua vida, fraquejou. PhD em Química pela Universidade de Harvard, ganhadora de 72 prêmios nas áreas de química e sustentabilidade, Joana aprendeu a lidar com dificuldades desde cedo.
O racismo era latente. A consciência de suas raízes a encorajou a seguir.
“Meus pais apesar de quase analfabetos, eram cheios de sabedoria. Minha mãe era empregada doméstica. Para eu ficar quietinha, ela me ensinou a ler o jornal, eu tinha 4 anos. A patroa dela, que era diretora de uma escola, me viu com o jornal e perguntou se eu estava vendo as figuras. Falei que estava lendo. Ela então me levou para uma escola”.
Seu único sapato do ano rasgou e os colegas viram o plástico que cobria o buraco na sola. Recebeu chutes no pé, enfrentou as risadas e só chorou em casa, ao contar para o pai.
“Meu pai sempre dizia que, se eu quisesse ser melhor do que aquele que me humilhava, tinha que estudar. Todas as dificuldades só me ajudavam a ter mais força para vencer. Conheci o racismo ainda muito nova, quando ouvi de um professor que eu não seria nada na vida. Naquele momento pensei em desistir, mas meu pai me disse que eu deveria ser maior que aquilo”.
Aos 14 anos, foi aprovada em três universidades públicas de São Paulo: Unicamp, USP e Unesp. Optou pela Faculdade de Química na Unicamp, em Campinas, onde morou sozinha num pensionato e dormiu muitas noites com fome. Joana estudou inglês em livros com CDs vendidos em bancas de jornal e partiu para os Estados Unidos. Estudou em uma cidade pequena da Carolina do Sul, berço da KuKluxKlan, mais uma vez reviveu o racismo.
“Nas poucas vezes que saí de casa para ir a uma lanchonete, fui tratada pela atendente como se não existisse por ser negra. Ela sequer me olhou e serviu meus dois colegas na mesa. Não me arrependo, porque lá surgiu o convite para meu pós-doutorado em Harvard”, lembrou ela, que aos 25 anos já era PhD.
NO CURTUME, A SOLUÇÃO
Em sua trajetória, desistir nunca foi opção. A paixão pela Química surgiu ainda na infância e teve influência indireta de seu pai.
“Meu pai trabalhava em um curtume da cidade de Franca e morávamos numa casa cedida pelo patrão dele, lá mesmo. Foi nesta casa que eu nasci e me apaixonei pela Química desde muito pequena, pois eu via o químico do curtume trabalhando de jaleco branco e achava o traje mais lindo do mundo. Eu cresci dizendo que queria ser química, usar jaleco branco e trabalhar em um curtume”.
Foi exatamente o curtume que lhe rendeu louvor em Harvard. Seu orientador sugeriu que a tese envolvesse um problema nacional. O pai deu a ideia de trabalhar com resíduos do curtume, passivo ambiental importante para França, um polo calçadista que gera 218 toneladas de resíduos por dia.
Desde 2004, Joana D’Arc é docente e pesquisadora na Escola Técnica Estadual (ETEC) Prof. Carmelino Corrêa Júnior, em Franca, cidade do interior de São Paulo. As dificuldades e humilhações não provocaram em Joana qualquer traço de amargura.
“Passei fome, mas decidi que venceria. A educação é a arma mais poderosa para vencermos os obstáculos. Não temo o racismo, que sempre vai existir. Você vai receber muitos nãos’. Mas quando ganhar um ‘sim’, faça o barulho que puder. O problema não pode ser maior que o nosso desejo, não pode nos paralisar: Se desistir, nunca vai chegar lá.” Joana hoje se dedica a ensinar jovens que, como ela, passaram por dificuldades financeiras e enfrentaram o preconceito. E serve de exemplo. Ouviu de um pai que sua filha deixou de ser prostituta graças às aulas; outra mãe contou que o filho largou a vida de traficante.
“É uma responsabilidade muito grande. A educação e a ciência têm o poder de nos colocar onde almejamos chegar. A cor da pele não é um destino e muitos negros ainda precisam compreender que podem ser bem-sucedidos. Precisamos combater o racismo e outras diferenças através da educação e da ciência.”
Passei fome, mas decidi que venceria. A educação é a arma mais poderosa para vencermos os obstáculos. Não temo o racismo, que sempre vai existir. Você vai receber muitos ‘nãos’, mas, quando ganhar um ‘sim’, faça o barulho que puder. O problema não pode ser maior que o nosso desejo, não pode nos paralisar. Se desistir, nunca vai chegar lá.
Ela faz questão de deixar uma mensagem positiva aos leitores da Raça:
“Quem desiste dos seus sonhos reduz as suas chances de encontrar a felicidade e aumenta as probabilidades de se deparar com as decepções e frustrações da vida. Mantenha o foco. Continue trabalhando para alcançar seus objetivos. Ignore aqueles que não acreditam em você e na sua capacidade de alcançar o seu sonho. Independente dos obstáculos que esteja enfrentando, continue colocando um pé na frente do outro e seguindo em frente. Você consegue fazer isso. Você pode! Sou um exemplo de tudo isso. Passei por inúmeras dificuldades, preconceitos e humilhações, mas nunca deixei de sonhar e acreditar em DEUS! O resultado é o que todos podem ver na mídia falada, impressa, audiovisual e digital.”