Revista Raça Brasil

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Julho das Pretas: uma luta que transcende calendários e exige urgência

A força das mulheres negras, celebrada no Julho das Pretas, não se resume a datas simbólicas – é um chamado para desnudar as estruturas que perpetuam desigualdades. Tereza de Benguela, cuja liderança quilombola ecoa até hoje, não é apenas uma figura histórica, mas um espelho que revela o quanto o sistema educacional ainda falha em reconhecer a contribuição negra. Enquanto o racismo continuar moldando acesso, currículos e oportunidades, a escola, longe de ser espaço de libertação, seguirá reproduzindo hierarquias que condenam gerações.

Os números não mentem: jovens negros são maioria entre os que abandonam os estudos e minoria nas universidades. Essa discrepância não é acidente, mas resultado de um projeto que naturaliza a exclusão. O mesmo sistema que nega vagas também apaga nomes como os de Carolina Maria de Jesus ou Dona Ivone Lara dos materiais didáticos, como se intelectualidade e negritude fossem conceitos divorciados. A educação antirracista não é “tema transversal” – é ferramenta de sobrevivência em um país onde a cor da pele ainda determina quem chega vivo ao ensino médio.

Implementar a Lei 10.639/2003 vai além de incluir capítulos sobre África nos livros. Exige desmontar a narrativa que reduz negros a escravizados, ignorando reinos como o do Congo ou Mali, e tratar cultura afro-brasileira não como folclore, mas como alicerce civilizatório. Professores despreparados que repetem estereótipos em sala não estão apenas sendo negligentes – estão atuando como agentes de um epistemicídio que dura séculos.

Os grêmios estudantis emergem como trincheiras dessa batalha. Quando organizam saraus com autores negros ou debates sobre genocídio da juventude negra, esses coletivos fazem o que muitas gestões escolares se recusam a fazer: tratam o racismo como questão central, não como nota de rodapé. Suas ações expõem o paradoxo de instituições que comemoram a “diversidade” em eventos pontuais, mas silenciam diante de casos de discriminação cotidianos.

O desafio é transformar o Julho das Pretas em prática permanente. Não basta homenagear mulheres negras se suas obras continuam ausentes das bibliotecas, ou discutir Tereza de Benguela enquanto mantém-se intacta uma grade curricular eurocêntrica. A verdadeira educação antirracista não cabe em meses comemorativos – exige revisão de poder, orçamento para formação docente e coragem para enfrentar resistências que muitas vezes se escondem atrás de frases como “não queremos politizar a educação”.

Enquanto universidades hesitam em adotar cotas raciais e escolas particulares tratam cultura afro como “conteúdo complementar”, movimentos juvenis provam que a mudança é possível – mas não será concedida, terá de ser conquistada. A luta de Tereza de Benguela não acabou; apenas migrou para as ocupações estudantis, saraus periféricos e aulas públicas que questionam: quantos mais precisarão morrer antes que a educação antirracista deixe de ser discurso e vire realidade?

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