Justiça condena Botanikafé a indenizar ex-hostess que se diz alvo de racismo e homofobia

A Justiça trabalhista condenou o Botanikafé, badalada rede de cafeterias com unidades na zona oeste de São Paulo, a indenizar em R$ 30 mil um ex-funcionário que diz ter sofrido assédio moral por ser negro e homossexual.

Como a decisão foi dada em primeira instância, ainda cabe recurso.

Em nota, o Botanikafé diz que “tem o respeito e a igualdade como valores fundamentais” e que preza “por um ambiente plural, no qual impera o respeito”, trabalhando “sempre para manter este princípio”.

Guilherme Matos Saraiva, 27, era hostess quando, segundo ele, foi alvo de episódios racistas e homofóbicos.

O primeiro, ele diz à reportagem, aconteceu logo após ser contratado para a filial do Jardins, bairro paulistano de elite. Ele contraiu a Mpox, também chamada de varíola dos macacos, e ficou duas semanas afastado. Diz que, ao voltar, um colega de trabalho zombou: “E aí, transou com um macaquinho, foi?”.

A maioria dos casos da doença se concentra em homens que se relacionam com outros homens, o que trouxe estigma a essa parcela da comunidade LGBTQIA+.

Como precisava do emprego, ele decidiu relevar, segundo consta no processo.

Mas, segundo Saraiva, o preconceito não se dissipou. Alguns partiam de clientes, como um que o chamou na mesa para perguntar se podia tocar no cabelo dele e se ele o lavava, diz. O ex-funcionário diz que também houve quem elogiasse o cheiro de suas madeixas, como se fosse surpreendente um cabelo negro cheirar bem.

Saraiva diz que a equipe, num primeiro momento, era solidária a ele, mas que logo tudo virava brincadeira.

Ele afirma que em vários momentos se queixou com superiores, mas que não deu em nada. “Eu reportava, e era sempre nesse sentido ?nossa, que chato que aconteceu, vamos ficar atentos?, mas nunca ficavam.” Também teria proposto dar um curso de letramento racial a outros funcionários, para orientar como lidar com o racismo no estabelecimento.

O embate mais grave se deu com um segurança a serviço do Botanikafé, escalado para escoltar o hostess na entrada do estabelecimento. Saraiva diz que, ao avistar um funcionário chegando atrasado, o homem comentou que ele estava “igual cabelo de preto, duro e enrolado”.

Nessa hora, conta, não conseguiu “controlar a emoção” e reclamou da fala racista do colega. Um gestor foi chamado para mediar a discussão.

De acordo com a advogada Daiane Teixeira Costa, que representa Saraiva, o superior sugeriu que o subordinado encarasse tudo como apenas piadas, “por conta da masculinidade aflorada” do segurança, e que ele próprio deveria maneirar “o jeito efeminado”.

“Ou seja, sustentou que o meu cliente deveria ignorar determinados comportamentos e aceitar os abusos sofridos, fazendo acreditar que ele era o problema”, diz Costa.

Hoje estagiário de marketing, Saraiva diz entender que o preconceito sistemático contra negros é um fato, mas que nunca tinha passado por algo tão explícito. “Se um preto não for trabalhar na empresa porque sofreu racismo estrutural, ele deixa de viver. Só que eu nunca tinha sofrido racismo direto.”

Ele acabou pedindo demissão “diante de tantos constrangimentos, todos reportados sem serem solucionados”, diz sua advogada.

Uma representante da B&T Comércio de Alimentos e Bebidas, empresa responsável pelo Botanikafé, disse à Justiça que o segurança autor da frase racista foi instado pela chefia a se retratar. Segundo a empresa, posteriormente ele foi demitido, e a conduta naquele dia teria sido um dos fatores considerados para a dispensa.

A sentença do juiz Jorge Batalha Leite, do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, sintetiza o depoimento dessa porta-voz. Ela disse que nunca chegou nenhuma reclamação no administrativo ou na gerência referentes ao cabelo de Saraiva e que a marca preza pela diversidade. Afirmou ainda que o contrato do segurança demorou para ser rescindido porque imaginavam que ele evoluiria.

A empresa afirmou à reportagem que a desavença entre hostess e segurança, “um prestador de serviços terceirizado” e “já afastado”, não foi endossada pela gestão, “por não condizer com os valores da marca”.

Saraiva pediu R$ 52.919,90 no processo contra sua ex-empregadora, valor que inclui indenização por danos morais, verbas rescisórias e honorários advocatícios.

O magistrado diz, na sentença, que “as indenizações servem a uma tripla finalidade: são compensatórias para a vítima, têm um caráter pedagógico para desencorajar a reincidência e atuam como um mecanismo preventivo para a sociedade em geral”.

O juiz rechaça o argumento da defesa de que Saraiva não provou os fatos narrados. “Há que se considerar que insistir que a vítima de assédio forneça prova irrefutável do evento é basicamente aplicar rigorosos padrões legais de uma forma que possa minar os direitos inerentes da pessoa que reporta a agressão”, diz o juiz.

O depoimento do ex-funcionário “foi rico em detalhes, fluido, transparecendo sofrimento e indignação”, e “o conjunto probatório demonstrou a conduta racista, homofóbica e inadequada e comprovada lesão à honra e imagem do autor”.

Defesa e acusação recorreram da decisão. A primeira, para revertê-la. A segunda, por entender que o juiz deveria considerar nulo o pedido de demissão de Saraiva.

Seus advogados afirmam que o ambiente de trabalho insustentável o forçou a se desligar e que ele deveria, portanto, receber os direitos trabalhistas devidos.

Já o Botanikafé afirmou ter “políticas de RH ativas e constantes de recrutamento e treinamento voltadas à diversidade”, com a missão de “oferecer um ambiente de trabalho seguro e confortável para nossos colaboradores e clientes, sem espaço para qualquer tipo de distinção”.

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