Revista Raça Brasil

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Justiça reconhece racismo institucional em ação da polícia em SP

A Justiça de São Paulo condenou o estado a pagar R$ 750 mil por danos morais coletivos após a Polícia Militar monitorar de forma discriminatória um grupo que realizava um tour sobre história negra no centro da capital em 2020. A decisão, da 11ª Vara de Fazenda Pública, considerou que a abordagem foi abusiva e racialmente motivada, já que os participantes – guias e 12 turistas – foram seguidos por horas por policiais a cavalo e em motos, mesmo explicando tratar-se de uma atividade turística autorizada. O valor da indenização será destinado a projetos culturais e turísticos para a população negra.

O caso expõe o racismo estrutural nas instituições paulistas. Enquanto aglomerações maiores, como comícios eleitorais, eram ignoradas pela PM durante a pandemia, o pequeno grupo do passeio “São Paulo Negra” foi alvo de perseguição ostensiva. Segundo relatos, os policiais insistiram em tratar a atividade como um protesto ilegal, chegando a exigir que os participantes assinassem um documento – recusado pelo grupo. A defensoria pública, autora da ação, destacou que o tratamento diferenciado evidencia preconceito institucionalizado.

Para Guilherme Soares Dias, fundador do Guia Negro e um dos organizadores do tour, a decisão judicial é histórica. “Muitos disseram que não daria em nada, que era ‘só racismo’. Mas o Estado foi punido, e isso abre precedente”, afirmou. Ele espera que parte dos recursos seja usada para capacitação antirracista de policiais e professores, combatendo a desinformação sobre a presença negra em bairros como Liberdade e Bixiga – tradicionalmente associados a outras culturas, mas com raízes africanas apagadas.

A PM justificou a ação como “rotina de segurança para grandes concentrações”, mas a defesa rebateu: eram 14 pessoas em um roteiro previamente organizado, com CNPJ registrado e protocolos sanitários. A insistência em acompanhar o grupo, inclusive com mudanças de trajeto para “despistar” a vigilância, revela o viés racial da abordagem. Não houve qualquer distúrbio que justificasse a intervenção – apenas o incômodo institucional com um evento que resgata narrativas negras em espaços urbanos.

A sentença reforça a urgência de políticas antirracistas nas forças de segurança. O defensor público Danilo Ortega, coordenador do Núcleo de Igualdade Racial, destacou a necessidade de incluir história afro-brasileira na formação policial. “O racismo se perpetua pela ignorância. É preciso ensinar sobre a São Paulo negra para que ela deixe de ser tratada como ameaça”, afirmou. O governo estadual limitou-se a dizer que “analisa o caso”, sem se manifestar sobre medidas concretas.

A condenação é um marco no combate ao racismo institucional, mas também um alerta: três anos após o fato, passeios como o da BlackBird Viagem ainda enfrentam resistência em ocupar o espaço público. Enquanto a cidade celebra roteiros étnicos como o da imigração japonesa, a cultura negra segue sob suspeita. A indenização, ainda que simbólica, é um passo para reparar essa hierarquia histórica – mas a mudança real depende de como São Paulo escolhe enxergar suas ruas.

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