La Renaissance africaine 

A faculdade que cursei há 20 anos mudou. O currículo, o prédio, os professores são até parecidos, mas há uma diferença gritante: nunca tantos filhos de faxineiras, garis, porteiros ocuparam tantas cadeiras. 

Para além do FIES e Prouni, a lei de cotas para ingresso em universidades federais mudou significativamente a cor dos alunos, em pouco mais de dez anos. 

Se na minha turma éramos apenas 2 alunos pretos num universo de 50 pessoas, hoje somos metade. E em alguns anos, essa turma estará no mercado e ocupando cargos de liderança. Sim, os desafios seguirão, como a falta de uma rede de apoio profissional e preconceitos velados do mundo corporativo. 

Mas é inevitável que essa nova demografia mudará também a cor de quem tem a caneta e decide.

Alguns dirão: “a outra metade da turma seguirá com os mesmos privilégios, Juliano”. Sem dúvida! São vantagens estruturais que lei alguma compensa. O tal privilégio branco baseia também em estudar em colégio bilíngue, ou frequentar um clube renomado aos fins de semana ou fazer intercâmbio.

Ele fica mais evidente quanto maior a nota de corte no vestibular da FUVEST. Basta comparar uma sala de alunos de medicina com uma de letras.

A mudança pode não ser no ritmo que gostaríamos, mas ouso dizer que é irreversível! Essa juventude que conquista voz e espaço está aquilombada e consciente do seu lugar na sociedade. É crítica e engajada politicamente e está cruzando pontes que eu sequer conhecia. Quisera eu ter essa consciência aos 19 anos. Poder falar sobre colorismo, racismo estrutural, machismo, vieses inconscientes. 

Essa geração, no entanto, precisará de apoio para mudar o mundo. E aqui é onde as referências fazem a diferença.

Pessoas executivas, pretas ou não, têm papel crítico. Sejamos farol e espelho. Porque é preciso ter um pouco de fé para dar um passo e sair da inércia. 

“Seja ponte, Juliano. Seja ponte!” “Abra uma pista mais larga e melhor do que a que você encontrou”.

É como me cobro, porque sei que há uma turma, nas categorias de base, ralando muito para entrar em campo.

A meta é chegar às mesas de diretoria. Ali, onde as decisões são tomadas, pode ajudar a criar novas culturas e fazer diferente de quem até aqui tinha a caneta. Deixando o ego de lado. Sem explorar o chão da fábrica. E coibindo, de fato, qualquer tipo de preconceito, nem que para isso prejudique a meta do mês. 

Veja bem! Não estou falando que somos os bonzinhos da história. É que mudar é um exercício de coerência que vem dos traumas, angústias e rejeições. E, principalmente, porque não aceitamos repetir o modelo em que pais e avós foram subjugados. Quando era “normal” comer depois dos patrões e apenas corpos brancos eram livres.

Para cada pessoa preta, mulher, pobre que ascende a responsabilidade de mudança, infelizmente, é ainda maior, porque depende delas romper com o status quo. Essa nova elite preta nas universidades pode representar um dos momentos mais cruciais do Brasil na luta por mais igualdade.

Quero ver ainda o dia em que seremos vistos como potência em vez de suspeitos.

Se hoje há jovens chegando a lugares e posições que jamais imaginei ter acesso, há 20 anos, é porque algo silencioso está vindo à tona. Paulo, Vitor, Deni, Ronaldo, Andreia, entre tantos outros, para cima! Os orixás devem estar sorrindo e orgulhosos de vocês. 

Comentários

Comentários

About Author /

Start typing and press Enter to search

Open chat
Preciso de Ajuda
Olá 👋
Podemos te ajudar?