Leci Brandão fala da vida política em entrevista
Veja trechos da entrevista com a sambista e deputada estadual Leci Brandão
Entrevista por: MAURÍCIO PESTANA | FOTOS: RAFAEL CUSATO | Adaptação web: David Pereira
Intérprete, compositora, sambista e deputada estadual. É difícil descrever Leci Brandão num só título, mas, se levarmos em conta não suas habilidades e sim seu histórico de vida, uma só palavra pode sintetizar essa mulher: guerreira! Veja trechos da entrevista de Leci Brandão para a Raça.
Você foi a primeira mulher a entrar na ala de compositores da Estação Primeira de Mangueira. Me conta um pouco dessa história.
Eu já era compositora desde 1964, comecei a fazer música por causa de uma desilusãoamorosa, e o Zé Branco, componente da ala dos compositores da Mangueira, conhecidoda minha família e que já sabia que eu era compositora, foi quem teve a ideia de meapresentar na ala. Nessa época os compositores faziam reunião no centro da cidade, na garagem da Limpeza Urbana. Ele resolveu me apresentar lá e houve um espanto para os quase 40 homens de uma escola de samba tradicional e respeitada como é a Mangueira. Essa reunião, para você ter uma ideia, tinha o Pelado, o Turco, Mãe Léo, Tantinho, Jurandir, todo esse pessoal. Grandes baluartes da ala dos compositores da Mangueira estavam presentes.
Você, ao lado de Luiz Melodia, faz parte de um raro grupo de artistas populares que fizeram sucesso sem aparecer na mídia. Como explicar isso?
São 36 anos de carreira, muita coisa mudou nesse caminho. Começo oficialmente em 1975, quando lanço meu primeiro LP pela gravadora Marcos Pereira. Mas por que eu tive um início assim bacana? Talvez porque não queria ser artista. Eu trabalhava na Universidade Gama Filho e fui parar lá por causa do programa Flávio Cavalcanti, onde me apresentei em janeiro de 1968 e fui a melhor da noite como compositora. O grande espanto do júri foi que a letra e a música eram minhas. “A letra também é sua?”, perguntaram. Era engraçado, uma menina negra, telefonista da Companhia Telefônica Brasileira (CTB), como compositora em um programa que era o de maior audiência na época. Um espanto!
Já ouvi várias declarações suas render muitas homenagens e até certa gratidão por São Paulo, considerado por muitos como o túmulo do samba. Como analisa isso, você, uma sambista carioca fazendo sucesso em São Paulo?
Em 1986, conhecia bastante coisa em São Paulo. Conheci Seu Chiclete, Tobias, Dona Sinhá (comi camarão na moranga, nunca tinha comido na minha vida), Seu Nenê, Juarez. Fui conhecendo São Paulo, os anos 70, depois que comecei a me tornar uma artista profissional. Sendo da Magueira, as pessoas me convidavam, tanto é que o Cartola fez uma miniturnê comigo, em São Paulo, Belo Horizonte e Curitiba, depois acabamos convidados para fazer o programa Ensaios, com Fernando Faro, que virou um DVD que a Trama fez em preto e branco, super chic. Ainda não tinha gravado. Estava começando na Mangueira, e Cartola já se apresentando no programa de televisão. Então, essa coisa de dizer que São Paulo é o túmulo do samba, não é bem assim. Naquele show no Centro Cultural Vergueiro, a gente já cantava “Me perdoa poeta quem disse que São Paulo é o tumulo do Samba?” Estive em Pirapora e foi muito bom porque conhecemos o pessoal do samba rural, coisa maravilhosa, muito legal. Você não pode dizer que um Estado com escolas com mais de 70, 80 anos não tinha história de samba. Tem muita história, é claro que é uma batida diferente, mas aqui tem o berço cultural do samba de São Paulo.
Em sua campanha você declarou que queria se candidatar para levantar bandeiras contra o preconceito e a injustiça social. Agora, como deputada, já se deparou com esses temas?
Nós já fizemos, inclusive, reuniões com gestores de igualdade racial, reunião com os religiosos de matriz africana, pais e mães de santo. Não audiência pública, trouxemos para dentro da Assembleia para fazer uma reunião, discutir as coisas, quais os encaminhamentos que aqui faltam. O primeiro ato que fizemos aqui foi a comemoração do Dia do Orgulho Gay, entregamos placas em homenagems às pessoas importantes desse segmento.Dentro do gabinete, temos uma representante do LGBT, a Marcia Cabral, muito inteligente. A nossa assessora de comunicação é do Pará, tem uma carinha de índia. Tem a Dra Andrea, uma das pessoas que faz toda a parte dos processos e acompanha as comissões, a Dra Eliane, esposa do Mano Brown, Roberto Almeida, Eliseu, a Rosina UBM, o Julião, da Unegro. Todo mundo que estava na campanha eu trouxe para o gabinete.
O que o povo do samba e os negros paulistas podem esperar da deputada Leci Brandão?
Não só os negros, mas a população do estado de São Paulo. As pessoas podem esperar de mim dignidade no meu mandato, vou procurar de todas as formas atender e cumprir as propostas que apresentei na campanha. Não é fácil ter projetos aprovados no primeiro ano de mandato, até porque não estou fazendo projeto para receber palmas da galera. Queremos fazer projetos que sejam interessantes, que atendam a população no todo. Não estou fazendo projeto só para negro, para branco, para índio, e sim projetos para as pessoas, para o povo do estado de São Paulo, seja ele da capital ou do interior. Embora seja carioca, a gente sempre enfatizou, na nossa fala, aonde for, em qualquer tipo de entrevista, que sou uma pessoa que ama São Paulo, devo tudo de positivo que aconteceu na minha vida nos últimos 25 anos. Se não tivesse vindo para este Estado, não sei se minha carreira teria continuado. Não sei se teria sido comentarista de Carnaval por oito anos, de 2002 a 2010. Devo muito ao povo do samba, às torcidas, aos menos favorecidos, principalmente, ao povo trabalhador. É aquela história, sou filiada ao PC do B, mas outros partidos também colaboraram para a minha eleição. Todos eles foram importantes.
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