Entre 2000 e 2023, a participação de pesquisadores pretos e pardos na coordenação de grupos de pesquisa no Brasil triplicou, passando de 8,1% para 22,6%, segundo dados do CNPq analisados pelo Ipea e IFNMG. Esse avanço, impulsionado por políticas como o Reuni e a Lei de Cotas, ainda contrasta com a realidade demográfica do país, onde negros representam 55,5% da população. Apesar do crescimento quantitativo, a ciência brasileira mantém hierarquias raciais que dificultam a equidade nas posições de liderança.
As disparidades regionais evidenciam essa desigualdade: enquanto o Nordeste tem 37,7% de líderes negros, o Sul apresenta apenas 15,8%. A física Zélia Ludwig (UFJF), uma das poucas mulheres negras à frente de grupos em áreas exatas (4,4%), relata as barreiras enfrentadas: “O sistema não foi feito para nos incluir como protagonistas”. Seu depoimento reflete os obstáculos estruturais que persistem mesmo para quem alcança posições de destaque.
A análise por gênero e área do conhecimento revela progressos específicos. Homens negros passaram de 4,9% para 12,2% dos líderes, com avanços em engenharia nuclear (15,4%) e computação (17,3%). Mulheres negras, por sua vez, saltaram de 3,2% para 10,4%, com maior presença em enfermagem (19,8%) e saúde coletiva (18,4%). No entanto, áreas como engenharia aeroespacial seguem sem representatividade feminina negra, mostrando a persistência de “desertos raciais” na academia.
As políticas afirmativas tiveram impacto significativo, mas limitado. As cotas no CNPq ampliaram a participação de bolsistas pardos na iniciação científica de 14,1% para 27,5%, e de pretos de 2,9% para 8,8%. Contudo, como ressalta o economista Tulio Chiarini (Ipea), “o acesso à base não garante ascensão ao topo”. A socióloga Carla Silva, criadora do grupo Ponto de Vista, sintetiza: “Sou líder porque criei meu próprio espaço. O sistema tradicional ainda resiste”.
Embora os dados mostrem transformações em setores como a medicina – onde mulheres negras passaram de 1,4% para 9,2% das líderes –, a predominância branca persiste: três em cada quatro coordenadores de pesquisa em 2023 não eram negros. Isso revela que a inclusão quantitativa não se traduziu em equidade de poder. O desafio atual vai além das cotas, exigindo a revisão de critérios de excelência que ainda privilegiam padrões eurocêntricos.
O crescimento estatístico esconde uma realidade complexa: a academia brasileira ainda não superou seu viés estrutural. Líderes negros frequentemente precisam criar alternativas ao sistema tradicional para ocupar espaços de decisão. O próximo passo requer não apenas mais políticas de acesso, mas uma mudança cultural que reconheça e valorize efetivamente a produção científica negra. A verdadeira equidade só virá quando a diversidade for acompanhada de poder redistribuído e critérios ampliados de mérito.