Líderes de diferentes religiões prestam solidariedade a terreiro depredado

Com as paredes ainda chamuscadas, janelas despedaçadas e pedaços do piso quebrado espalhados pelo chão, o terreiro Pena Branca, em Cabuçu, Nova Iguaçu, serviu de sede para um encontro que celebrou a diversidade religiosa encontrada no Brasil. O espaço sagrado de candomblé, vítima de um ataque motivado por intolerância no último dia 8, recebeu, na manhã deste domingo, o padre Fabio de Melo; o babalaô Ivanir dos Santos, interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa; o antigo bispo mórmon, e atual membro da congregação, Iltamar Paiva; o bispo licenciado da Igreja Mundial Renovada e subsecretário de Direitos Humanos de São João de Meriti, Marcelo Rosa; e o advogado judeu Ricardo Brajterman. O templo é comandado pelo babalaô Sérgio Malafaia D’Ogum que, sim, guarda grau de parentesco com o pastor e presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, Silas Malafaia.

O encontro inter-religioso foi motivado por outro episódio recente que levantou o tema da intolerância: durante um sermão em abril deste ano, na cidade de Cachoeira Paulista, Fabio de Melo usou a palavra macumba em tom jocoso, e viralizou na internet. Com a ajuda de Brajterman, o líder da CCIR entrou em contato com o arcebispo do Rio, Dom Orani Tempesta: cerca de vinte minutos depois, seu telefone tocou e, do outro lado da linha, estava o padre, arrependido.

— Foi uma piadinha infeliz que abriu muitos horizontes para mim — diz o popstar da Igreja Católica, com quase 9 milhões de seguidores no Instagram. — É muito bom poder me unir a essas pessoas para que a gente busque o essencial: amor a Deus e o respeito ao ser humano.O diálogo foi aberto às 9h na Barra da Tijuca, em um café da manhã na casa do deputado estadual e ex-secretário estadual de Esportes, Thiago Pampolha (PDT). Outro ícone gospel também estava presente, o pastor da Igreja Batista Soul, Kleber Lucas — criticado por segmentos evangélicos pela participação em atos ecumênicos. Tanto Lucas quanto Melo se comprometeram a participar da Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa, que vai percorrer a orla de Copacabana em 6 de setembro.

— Hoje demos um passo histórico, começando a construir uma nova possibilidade de diálogo. Vivemos em uma sociedade tão conflagrada pelo ódio, pelo racismo, misoginia, homofobia, mas estamos aqui dizendo que é possível trilhar um novo caminho pelo diálogo — comemorou Ivanir dos Santos.

 

SANTOS QUEBRADOS E ATABAQUES FURADOS

Em Cabuçu, o babalaô Sérgio Malafaia D’Ogum guiou os presentes pelo templo vandalizado, mostrando o drama da perseguição religiosa. Por sorte, no momento do ataque, não havia ninguém presente, e as únicas vítimas foram os objetos sagrados.

— Invadiram a nossa fé e a nossa privacidade — lamenta o sacerdote. — A sorte é que eu tenho uma vizinhança muito boa comigo: primeiro eles chamaram o Corpo de Bombeiros e a Defesa Civil, e só depois me chamaram.

 

Com presença em Nova Iguaçu há mais de 15 anos, e à frente de diversos trabalhos sociais, como aulas de capoeira, encaminhamento para médicos e empregos, distribuição de cestas básicas, cobertores, roupas e camisinhas, pai Sérgio agora tem se dedicado a buscar fundos para poder reconstruir o terreiro. Ele até tentou entrar em contato com o primo distante com quem compartilha o sobrenome, mas ainda não recebeu resposta.

Por enquanto, a ajuda veio da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, da denominação mórmon. No sábado, voluntários da igreja ajudaram a limpar parte dos destroços e a organizar os objetos. Durante a invasão, as paredes foram pichadas, os ibás dos santos (assentamentos que representam as entidades adoradas) foram quebrados e misturados, os atabaques utilizados nos rituais foram furados e, por fim, ateou-se fogo nos fundos do templo.

— A minha não foi a primeira casa (atacada), e, consequentemente, eu gostaria que fosse a última. Mas não acho que será — diz o babalaô, que fez questão de elogiar o trabalho da 56ª DP (Comendador Soares) no caso.

‘MUITO REATIVOS E POUCO REFLEXIVOS’

Descrevendo-se como “de pires na mão” para conseguir reconstruir seu terreiro, Sérgio Malafaia D’Ogum falou sobre a dificuldade de estar no papel de quem pede:

— Para mim, está sendo uma grande lição. Tenho que sair do meu lugar e me colocar no mesmo patamar de quem já veio bater na minha porta pedindo 1 kg de arroz — diz.

— É muito fácil fazer o discurso da misericórdia estando na posição do misericordioso — ecoou Fabio de Melo.

O padre diz que o episódio o fez pensar melhor sobre o uso da linguagem e o agregou, de forma definitiva, na luta pela defesa da liberdade religiosa. Usuário assíduo das redes sociais, ele não conseguiu, no entanto, retirar o polêmico vídeo do sermão feito em abril: o perfil “Frases Padre Fabio de Melo”, responsável pela divulgação, não é controlado por ele e não tem qualquer forma de contato. O Facebook ainda não atendeu o seu pedido para que clipe saia do ar.

— A internet tem um aspecto muito positivo de democratizar o direito de dizer. Só que todo mundo diz o que quer, da forma como quer, e às vezes sem nenhuma reflexão. Ela revela uma característica dos nossos tempos: somos muito reativos e pouco reflexivos — pondera.

O advogado Ricardo Brajterman, que fez parte durante anos da Fundação Israelita do Estado do Rio de Janeiro, acredita que o encontro deste domingo vai fortalecer a discussão sobre o respeito à diversidade religiosa:

— O Brasil hoje está cego de raiva, dividido entre coxinhas e mortadelas — exemplifica. — Acho que esse encontro pode ser uma semente para mostrar para diversos outros segmentos que pessoas diferentes, tanto em termos de raça como religião, podem se sentar à mesa juntas.

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